quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

18. As Barbas do imperador Dom Pedro II: um monarca dos trópicos

O trabalho não é exatamente uma biografia; trata-se, na verdade, de uma análise dos usos da figura do imperador D. Pedro II desde a sua aclamação, aos 15 anos incompletos, até o retorno de seu corpo ao Brasil, durante o governo Vargas.

A leitura serviu para refrescar na memória alguns fatos da segunda metade do século XIX no Brasil; para ratificar a ideia, já entrincheirada no meu entendimento por conta de outras leituras, de que a proclamação da República no Brasil foi um movimento fajuto, sem legitimidade social ampla; e para confirmar que o conceito que eu trazia dos tempos de escola sobre a figura dos monarcas, particularmente dos monarcas absolutistas, era um tanto equivocada.

Como nos adverte Hobsbawm, quando fala da fase das transições pelas quais passava a Europa em fins do século XVIII e as tentativas de alguns monarcas de fazer reformas para não viver revoluções, o suposto poder ilimitado dos absolutistas era relativo e enfrentava sérios obstáculos à realização das referidas reformas:

"Yet in fact absolute monarchy, however modernist and innovatory, found it impossible - and indeed showed few signs of wanting – to break loose from the hierarchy of landed nobles to which, after all, it belonged, whose values it symbolized and incorporated, and on whose support it largely depended. Absolute monarchy, however theoretically free to do whatever it liked, in practice belonged to the world which the enlightenment had baptized fiodaliti or feudalism, a term later popularized by the French Revolution. (...) its horizons were those of its history, its function and its class. It hardly ever wanted, and was never able to achieve, the root-and-branch social and economic transformation which the progress of the economy required and the rising social groups called for.

To take an obvious example. Few rational thinkers, even among the advisers of princes, seriously doubted the need to abolish serfdom and the surviving bonds of feudal peasant dependence. Such a reform was recognized as one of the primary points of any 'enlightened' programme, and there was virtually no prince from Madrid to St Petersburg and from Naples to Stockholm who did not, at one time or another in the quarter-century preceding the French Revolution, subscribe to such a programme. Yet in fact the only peasant liberations which took place from above before 1789 were in small and untypical states like Denmark and Savoy, and on the personal estates of some other princes. (...) What did abolish agrarian feudal relations all over Western and Central Europe was the French Revolution, by direct action, reaction or example, and the revolution of 1848"*.

Esse quadro, em muitos aspectos, se assemelha ao que viveria o Brasil cem anos depois, no sentido de que D. Pedro II, uma vez isolado das forças políticas de então, foi facilmente derrubado do poder. A grande diferença é que o nosso “89” (Proclamação da República no Brasil 1889 x Revolução Francesa 1789) teria um caráter reacionário. A destituição e exílio do imperador brasileiro foi resultado muito mais de uma reação (retaliação talvez seja a palavra exata) da classe dominante agrário-exportadora por conta da abolição da escravatura em 1888, do que propriamente um movimento político impulsionado por classes emergentes.

Enfim, é uma leitura boa, eu recomendo aos interessados no tema. Não se intimidem com as 580 páginas, tem muita gravura [risos].

*Referência: The age of Revolution, p. 23-24

Post Scriptum:/08/01/2010. Lendo "A Alma Encantadora das Ruas", reunião de crônicas de João do Rio, achei um trecho que cairia como uma luva no livro para ilustrar a relação do povo com a aura da monarquia. Na crônica "Velhos cocheiros", o cocheiro Braga assim responde quando idagado pelo jornalista acerca de sua opinião sobre a Monarquia e a República:

"A Monarquia tinha as suas vantagens. Era mais bonito, era mais solene. Não vá talvez pensar que eu sou inimigo da República. Mas recorde por exemplo um dia de audiência pública do imperador. Que bonito! Até era um garbo levar os fregueses lá. Ó Braga, onde estiveste? Fui à Boa Vista! Hoje todo o mundo entra no palácio do Catete. Não tem importância... É verdade que o Obá entrava no Paço. Mas era príncipe. E então para conhecer homens importantes! Não precisava saber-lhes o nome. Os ministros tinham uma farda bonita, o imperador saía de papo de tucano. Bom tempo aquele! Hoje a gente tem de suar para conhecer um ministro. Parecem-se todos com os outros homens."

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