segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Carta de despedida de Kofi Annan em português

Aleppo está sob cerco e a perspectiva de perda de outras centenas de vidas de civis na Síria é muito alta. As Nações Unidas condenaram a derrocada para uma guerra civil, mas a luta segue adiante com nenhum sinal de alívio para os sírios. Elementos jihadistas foram atraídos para o conflito. Há também grande preocupação com a segurança das armas químicas e biológicas da Síria. A comunidade internacional está parecendo visivelmente impotente em suas tentativas de influenciar o curso brutal dos acontecimentos - mas este não é de forma alguma inevitável.

Enquanto o Conselho de Segurança está aprisionado num beco sem saída, na Síria ocorre o mesmo. O governo tentou suprimir, com extrema violência, um movimento popular e amplamente disseminado que, depois de 40 anos de ditadura, decidiu que não poderia mais ser intimidado. O resultado foi uma crescente perda de controle na região, e a oposição mobilizou-se para a sua própria campanha militar para contra-atacar. No entanto, ainda não está claro como o governo pode ser derrubado apenas pela força.

Entretanto, existe também um impasse político. Um movimento de massas, nascido da demanda por direitos civis e políticos, e o empoderamento das vozes por mudança emergiram na Síria após março de 2011. Mas, em que pese toda a extraordinária coragem exigida aos manifestantes para marchar cada dia diante da crescente violência do governo, este movimento não foi capaz de produzir pontes entre as divisões comunitárias na Síria. Oportunidades de superar essa situação foram perdidas na violência crescente.

Meios militares sozinhos não darão fim à crise. De forma semelhante, uma agenda política que não é nem inclusiva nem abrangente vai fracassar. A distribuição de forças e as divisões na sociedade síria são de um tipo tal que somente uma séria transição política negociada pode ter esperanças de dar fim à regra repressiva do passado e evitar um futuro decadente rumo a uma vingativa guerra sectária.

Diante de um desafio grande como esse, somente uma comunidade internacional unida pode compelir ambos os lados a se engajarem numa transição política pacífica. Mas um processo político é dificíl, senão impossível, quando todos os lados - dentro e fora da Síria - veem oportunidade de avançar suas estreitas agendas por meios militares. A divisão internacional significa suporte para agendas por procuração e o fomento da competição violenta na região.

É por isso que busquei consistentemente tentar ajudar a comunidade internacional a trabalhar unida para dar fim a essa dinâmica destrutiva e a focar as mentes das partes em conflito na região a se engajarem num processo político. No início do meu mandato ganhamos suporte internacional por isso, com resoluções do Conselho de Segurança, as quais autorizaram observadores militares das Nações Unidas a se posicionarem na Síria. Depois de um cessar-fogo em 12 de abril, contrariamente a algumas declarações, o bombardeio de comunidades civis pelo governo parou, demonstrando o impacto que essa unidade poderia ter.

Entrentanto, o apoio internacional prolongado não se seguiu. O cessar-fogo rapidamente se desfez e o governo, percebendo que não haveria consequências se retornasse a uma campanha militar explícita, reverteu ao uso de armas pesadas sobre as cidades. Em resposta, busquei reenergizar a direção para a unidade em junho, ao criar o Grupo de Ação internacional para a Síria, estabelececeno uma estrutura para uma transição que suportasse os esforços sírios para mover-se rumo a um corpo governamental de transição com plenos poderes executivos. A transição significa uma mudança gerenciada, mas completa, de governo - uma mudança de quem lidera a Síria e como lidera. Nós deixamos a reunião acreditando que uma resolução do Conselho de Segurança endossando a decisão do grupo estava garantida - como a primeira de uma série de medidas que iriam assinalar uma virada. Mas desde então, não houve continuidade. Em vez disso, houve ofensas e acusações no Conselho de Segurança.

Há claros interesses comuns entre as potências regionais e internacionais numa transição política gerenciada. A conflagração ameaça uma explosão na região que poderia afetar o resto do mundo. Mas é preciso liderença e compromisso para superar a atração destrutiva das rivalidadees nacionais. Ação conjunta requer esforços bilaterais e coletivos de todos os países com influência sobre os atores em cena na Síria, para pressionar os partidos a respeito de que uma solução política é essencial.

Para Rússia, China e Irã isso significa que eles devem realizar esforços concertados para persuadir a liderança síria a mudar de curso e abraçar a transição política, percebendo que o governo atual perdeu toda a legitimidade. Um primeiro movimento da parte do governo é vital, uma vez que sua intransigência e recusa a implementar o plano de paz de seis pontos foi o maior obstáculo para qualquer processo político pacífico, garantindo a desconfiança da oposição em propostas para uma transição negociada.

Para os Estados Unidos, Reino Unido, França, Turquia, Arábia Saudita e Qatar, isso significa pressionar a oposição para abraçar um processo político inclusivo pleno - o que incluirá comunidades e instituições atualmente associadas ao governo. Isso também significa que o futuro da Síria em mais que o destino de um único homem.

É nítido que o presidente Bashar al-Assad deve deixar o posto. O foco principal, entretanto, deve ser em medidas e estruturas para assegurar uma transição de longo termo pacífica para evitar um colapso caótico. Essa é a questão mais séria. A comunidade internacional deve arcar com sua parcela de responsabilidade.

Nada disso é possível, porém, sem compromisso genuíno de todos os lados. O empate significa que todos devem mudar de curso: o governo, a oposição, potências regionais e internacionais. Dessa forma, a comunidade internacional pode liberar uma condição essencial do processo político - uma comunidade internacional unida, que suporta ativa e efetivamente a transição pacífica para um governo legítimo.

A Síria ainda pode ser salva de uma calamidade pior. Mas isso exige coragem e liderança, principalmente dos membros permanentes do Conselho de Segurança, incluindo os presidentes Putin e Obama. Nosso comunidade internacional vai agir em defesa dos mais vulneráveis em nosso mundo, e fazer os sacrifícios necessários para ajudar? As próximas semanas na Síria vão dizer.