segunda-feira, 21 de julho de 2008

Uma entrevista

Trabalhava numa assessoria de imprensa em moda. Mas a combinação trabalho informal + empresa pequena + clientes ameaçando debandar não estava caindo muito bem. O próprio chefe, num gesto raro de generosidade, havia alertado sobre a situação e dito: "se você quiser procurar um emprego melhor, não hesite... Sei dos seus compromissos, não poderia te impedir". Assim começou o garimpo por oportunidades, os contatos com amigos, conhecidos, ex-chefes, colegas de faculdade, enfim, o investimento no famoso network...

Foi durante um coffee break da pós que se deu a investida mais auspiciosa: numa rodinha de bate-papo, uma explicação breve sobre a situação da empresa e, com um ar blasé-mas-nem-tanto, disse que estava buscando uma recolocação profissional – modo sutil de dizer "gente, eu preciso de um emprego!".

Houve aqueles que não deram muita bola, entretidos em elucubrações sobre a textura do pão de queijo. Outros se limitaram a uma função fática básica: "poxa, a sua empresa está ruim é? Que coisa, menina...". Antes que suspirasse com aquela cara de "foi em vão", porém, uma amiga com a qual já havia realizado alguns trabalhos do curso disse as palavras mágicas: "que coincidência, está para pintar uma vaga na área em que eu estou trabalhando. Manda o seu currículo para mim nessa semana".

Dito e feito. A conversa se passou num sábado. Na segunda-feira, foi enviado o currículo, impecável. Quinta-feira, no meio do expediente na assessoria, a amiga liga no celular.

- Você pode vir conversar com o meu gerente hoje? Eu passei seu currículo para ele, e agora no fim da tarde ele vai ter um tempinho, quer conversar com você.

Num breve relance, a reflexão sobre o modo como estava vestida. Sandálias rasteiríssimas, calça jeans terminando um palmo abaixo do umbigo, mini-blusa começando um palmo acima, e um rabo-de-cavalo desses que se usa na quarta-série (bem, era uma assessoria sem muitas convenções ou exigências para quem trabalhava internamente).

- Como assim, Adriana? Eu estou no meio do trabalho, não tem condições de eu conversar com ele hoje!

- E amanhã, pode ser?

- Hum... claro, claro que pode! [Melhor não embromar muito...]

Ali começou o corre-corre desvairado pelos shoppings da cidade para montar o figurino completo, digno das receitas de bolo estampadas nas páginas da "Você S.A" e "Vida Executiva".
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Sexta-feira, 10h da manhã, a chegada ao hall do prédio onde seria realizada a entrevista, o Edifício Sede da companhia, centro do Rio de Janeiro. Terno preto, camisa branca, um par de scarpins estalando de novos, brincos de pérola, unhas feitas, perfume suave, maquiagem discreta, cabelos cortados acima dos ombros – só não havia feito escova porque, ora, porque nunca havia feito escova, e destruir os cachos já seria um pouco demais. Alguma coisa tinha de estar espontânea naquele momento...

Estava inacreditavelmente calma ao entrar na sala onde a entrevista seria realizada. Pessoas trabalhando, concentradas em suas máquinas, clima de tranqüilidade. Aquele que poderia vir a ser o futuro chefe se apresentou, convidou para sentar e começou uma conversa amena, antes das perguntas sobre o currículo.

"Por que uma pós em gestão do conhecimento e não em marketing?" "Você fala inglês bem? Fluente?" "Trabalhou no IPPMG, filha? [IPPMG, para quem não conhece, é o segundo maior hospital da UFRJ, voltado à pediatria]. Eu trabalhei no IPPMG antes de entrar na Petrobras! Olha só que coincidência!".

[Suspiro. Coincidência, isso é bom sinal? É? É bom sinal? Tomara que sim].

Finalmente, a hora do pulo do gato. "Filha, gostei muito do seu currículo, mas para te contratar eu precisaria ler alguma coisa que você escreveu". Sem problemas! Um rápido acesso à Internet em um dos computadores disponíveis na sala e, voi-là, saíram quentes da impressora as páginas com alguns dos textos da época em que escrevia matérias sobre inteligência empresarial para um website.

Ele não demorou mais que um minuto lendo provavelmente dois ou três parágrafos dos textos. Levantou os olhos e disse de chofre: "pois é, filha, não tem o que discutir, você está contratada. Começa na segunda-feira. Você é recém-formada, então o seu salário...".

Talvez ele tenha achado um pouco estranho a cara de completa abobalhada da moça que até aquele momento lhe parecera tão sisuda e segura de si. Ou talvez estivesse acostumado com aquilo e gostasse de ver a reação dos entrevistados ao receberem um "você está contratado" assim, de supetão. Mais tarde, descobriria que ele adorava ver a reação das pessoas diante de convites como "filha, você vai ter de fazer um passeio de helicóptero para conhecer uma plataforma. Algum problema em voar de helicóptero?".

(Descobriria também que todo o investimento no visual e na postura havia valido a pena. O gerente levava muito a sério esse valor intangível que tem a imagem de um profissional, uma equipe, uma organização. Inadmissível que um coordenador sob sua gerência fosse a uma reunião com uma caneta bic pendurada no bolso da camisa. E teve aquela vez em que desistiu de contratar uma consultora que, apesar do currículo reluzente, insistira em ir à entrevista mascando ruidosamente um chiclete).
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Ao sair do prédio, flutuava; sequer sentia o salto do scarpin se destruindo nas pedras portuguesas das calçadas do centro da cidade (como é difícil ser elegante na Cidade Maravilhosa, onde tudo conspira para o despojamento...).

Flutuava, sim. É que a vida vinha muito difícil. Tinha o medo que muitos estudantes universitários têm de concluir a faculdade e passar meses, um ano, dois até com o diploma debaixo do braço e sem exercer a profissão – o que, aliás, seria uma sorte ainda maior do que nunca chegar a exercê-la, desistir e terminar ficando no meio do caminho, assim pensava.

Para agravar o drama, diferentemente de muitos colegas da mesma idade – tinha 23 anos na época –, não estava vivendo na casa dos pais, sem preocupação em fazer mercado ou pagar contas. Já vivia sozinha, com a filhota que havia nascido ainda no tempo em que cursava a faculdade. Uma luta cuja história, prometo, conto noutra ocasião.