segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

29. Lavoura arcaica

Esbarrei com este livro nas estantes da minha querida tia Léia quando havia acabado de fraturar um dedo do pé num acidente doméstico. Imobilizada, logo no primeiro dia passei da metade. Até então nunca havia lido nada de Raduan Nassar.

Gostei do estilo do autor, mas fiquei meio decepcionada com a trama em si.

Raduan Nassar tem o dom da palavra; embora o texto seja rico em adjetivos e advérbios, cada palavra parece ter sido muito bem calculada, cada expressão tem significado preciso, cada termo tem um papel a cumprir. Parece poesia em prosa. É bem diferente de "A Sombra do Vento", por exemplo, cujas páginas exigem um pouco de esforço para quem não tem muita paciência para lero-lero, pois Zafón é meio palavroso, muitas vezes usa as palavras de modo menos informativo que decorativo. Nassar consegue conciliar as duas coisas. Tem um quê de Clarice Lispector, de deixar o leitor encafifado, "foi isso mesmo o que eu entendi?", "Foi". "Ou talvez".

Quanto à trama... aí achei meio sem graça. Bateu uma sensação similar àquela que tive quando da leitura de "Complexo de Portnoy", de Philip Roth, de que certos temas podem ter sido surpreendentes trinta anos atrás, mas hoje, não escandalizam os 'mudernos'. Vide os aplausos para o filme "Do Começo ao Fim", de Aloizio Abranches.

Mas não faz mal, fiquei com vontade de ler mais livros de Nassar só pelo modo como ele explora a língua portuguesa.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

28. Decamerão



Escrito entre 1348 e 1353 por Giovanni Bocaccio, o "Decamerão" é um conjunto de cem novelas sobre os mais variados temas da vida humana. A maior contribuição que me trouxe foi entender que o ser humano sempre foi o que é. Que certas coisas sempre existiram (pelo menos nos últimos setecentos anos) e provavelmente vão sempre existir, pois são fruto das paixões humanas, daquilo que não se pode controlar.

Vamos começar pelo que considero até menos surpreendente, a questão da infidelidade, em particular, a feminina. Muitos episódios falam de damas supostamente virtuosas e esposas ditas honestas que realizam façanhas sexuais dignas de nota (o sétimo dia, aliás, reúne dez histórias inteiramente dedicadas às burlas cometidas pelas esposas contra seus maridos).

Curiosamente, porém, este livro da Idade Média é bem menos moralista que muitos romances do século XIX e XX. Se em obras como Madame Bovary, Ana Karênina, o Primo Basílio ou Lady Chatterley's Lover as adúlteras têm sempre um quê de loucas, uma trajetória dramática ou um fim trágico, ou tudo isso junto, no Decamerão, a tônica é outra; elas desfrutam das delícias do amor sem remorso, entregam-se menos por um sentimento elevado de paixão que por desejos do ventre, mas no mais das vezes se dão bem no final. A coisa mais parecida com isso que já havia lido antes foi "Gabriela, cravo e canela", cuja protagonista, no entanto, não deixou de levar "uma surra de criar bicho" de seu Nacib, no fim das contas...

Outros temas também hoje tabu no campo da sexualidade, como a zoofilia e a necrofilia, são o pano de fundo de algumas histórias, caso, respectivamente, da décima novela do nono dia (quando o padre Gianni diz que vai realizar o feitiço destinado a transmudar a esposa do cumpadre Pedro em égua) e da quarta novela do décimo dia (embora o tema seja a nobre generosidade do senhor Gentil dei Carisendi, que devolve a Niccoluccio Caccanimico sua esposa tida como morta, o fato é que ele havia descoberto que ela fora enterrada viva porque a havia retirado da sepultura para... "amá-la").

Na oitava novela do oitavo dia, após uma trama envolvendo dois casais vizinhos, cada um dos maridos fica com duas esposas, e cada esposa, com dois maridos; e na décima novela do quinto dia, o amante deixa a casa da mulher casada sem saber se durante toda a noite serviu a ela ou a seu marido, Pedro de Vinciolo, que não era muito chegado àquilo que gostam, ou devem gostar, os homens... parece até enredo daquelas histórias publicadas em revistas femininas de quinta (ou "semanais populares", no jargão dos marqueteiros) para espicaçar a imaginação de respeitáveis donas de casa. Mas não se vexem de ler o livro, que tudo isso, por incrível que pareça, é descrito com galhardia.

Uma coisa curiosa que notei é que muitas piadas que circulam por email nos dias de hoje são histórias do Decamerão (sabe aquela em que a esposa vai atender a porta enrolada numa toalha de banho, vê que é o melhor amigo do marido e ouve dele a proposta "te dou cinco mil reais se deixar cair a toalha"? E depois de aceitar descobre que aquele dinheiro nada mais era que uma devolução do amigo ao marido? Pois é...). Fora autores de livros infantis que recontam novelas do Decamerão sem dizer a fonte... fico sem saber se por malícia ou ignorância mesmo.

Acredito que esta obra reflete um momento de transformação na Idade Média, pois muitos dos relatos se opõem frontalmente à concepção religiosa que permeava o mundo de então. As novelas que debocham descaradamente das figuras de frades, bispos, freiras, padres, etc e das concepções misticistas daquela época são particularmente interessantes. Nota-se que homens lúcidos, como Boccacio, sempre existiram também.

27. The collector


Do you know those books whose covers are so inexpressive that you don’t expect to find anything great within them? But then you go on and you find out they actually enshrine a treasure? This happened to me when I decided to turn the first pages of “The collector”.

It’s not necessary to be an avid reader to finish it in a few hours. The author manages to tell a curious and electrifying story in an innovative style and using a few pages – the number could not be more appropriate.

[A quick digression: I believe some books are shorter than they should be whereas others are longer than they should. Among the formers I place “The picture of Dorian Gray” and among the latter “The lord of the rings”].

Back to the point: “The collector” describes the case of a maniac who manages to kidnap the woman he’s in love with (tough he doesn’t really know her). Actually, it’s not exactly a description, but a first person narrative, with the additional element that it is told from the point of view of the kidnapper and also of his victim.

The maniac in case is particularly different from any other I had ever seen on TV shows, movies and books. He’s disgusting, of course, but in a different way; you don’t feel like hating him, you feel like despising him, just the way his victim does. But you surely will feel like despising the victim either.

One of the most interesting moments happens when she encourages him to read “The catcher in the rye”. Due to her prejudicial and limited point of view, she believes that he’s going to identify himself with the young Holden Caulfield and that it is going to make all the difference for her… poor creature. His opinion over the book – he simply doesn't “see much point in it” – sounds hilarious.

Please, don’t think that I don’t sympathize with the victim. Despite her “la-di-da voice” and snobbish ways she didn’t deserve to go through what she did. It is just that the whole story is so unreal that I don’t feel bad at involuntarily laughing at it. Maybe I'm still shocked with the end of the story.

26. Le comte de Monte-Cristo

Le comte de Monte Cristo a été le premier livre que j'ai lu completement en français. Je peux dire que j'ai commencé a apprendre cette belle langue en lisant cette ouevre d'art. Cependant la lecture, j'écoutais l'audiobook (voyez le website www.librivox.org).

Le mariage du style de Alexandre Dumas et de l'histoire d'Auguste Maquet a produit un de les mieux travails que j'ai connu dans la literatture ocidental. Un bon écrivain ne peut pas se considerer comme tell si il n'a pas lu cette ouevre.

(Doit être continué...)

25. Sargento Getúlio

Uma das minhas "falhas" de leitura, por assim dizer, é não ter lido muita coisa de João Ubaldo Ribeiro além de sua coluna no jornal "O Globo". Comecei a corrigir essa lacuna com a leitura do curtinho "Sargento Getúlio", e não me decepcionei.

No início, confesso, até olhei de viés. Diante da linguagem marcadamente caboclo-sertaneja, pensei "ora, mas depois de 'Grande Sertão: Veredas', isso não é novidade". Ledo engano. Além de aprofundar a exploração desse recurso com bastante maestria, João Ubaldo consegue nos fazer entrar na cabeça do Sargento Getúlio, que nada mais é que um jagunço.

Centrada num confuso monólogo, a história alterna momentos em que chegamos a fazer nossa a lógica do protagonista com outros de imediato desprezo por ele. Se num trecho nos vemos diante das gentes que pertencem a um mundo absolutamente distante do nosso, e por isso mesmo, curiso e interessante, noutro nos lembramos que, no fundo, nós queremos mesmo é distância dessas gentes e de suas realidades brutais.

Um misto de afeição e repugnância, por assim dizer.

O final conseguiu me surpreender.

24. A Sombra do vento

"A Sombra do vento" foi o único livro mais recente que li este ano. Escrito pelo espanhol Carlos Ruiz Zafón, é uma leitura fácil, fluida, que vendeu milhões de cópias em todo mundo. Tem muitos elementos típicos dos atuais best-sellers. Embora a temática seja absolutamente diversa, notei em muitos momentos uma identidade com o "O caçador de pipas", por exemplo, o que parece sugerir que alguns autores seguem um check-list na hora de escrever, uma fórmula que sabidamente faz o livro vender.

Bem, eu poderia ficar citando um sem número de retrições, mas acho que até o Alexandre Dumas deve ter começado escrevendo coisas limitadas, então prefiro falar das surpresas boas. De tudo, o que me chamou mais a atenção foi a relação que o jovem Daniel Sempere estabelece com um livro de autor desconhecido e que vendeu pouquíssimos exemplares.

Acho que mexeu comigo porque tenho um livro assim na minha vida. Chama-se "The night cometh".

É de um autor chamado Eugene O'Donnel, sobre quem já procurei informações, diversas vezes, na internet. Todas em vão*. Tudo o que encontrei, até hoje, foram duas referências em sebos londrinos. Dificulta a busca no google os fato de haver um livro de mesmo nome no mercado e uma celebridade com o mesmo nome do autor, um esportista ou coisa parecida.

Encontrei esse livro em um sebo, o único no bairro de Campo Grande, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro (que, na época, nem livrarias tinha. Não sei como está a situação hoje). Comprei porque estava estudando inglês e os livros em língua estrangeira estavam custando um real somente. Era um livro velho, de bolso, com páginas amareladas e poeirentas e uma capa quase caindo. Meu domínio da língua na época era tão limitado que sequer compreendia o título. Tudo isso já vai dando um ar pitoresco à experiência.

O livro errou algum tempo na minha vida-estante, até que, cerca de dois ou três anos depois de comprá-lo, finalmente consegui lê-lo. Era o ano de 2006 e eu havia decidido ler um livro em inglês por mês para manter o conhecimento do idioma. Achei que seria só mais uma leitura. Estava enganada. Foi um dos livros mais chocantes e mais envolventes que já li.

Meu marido tem me incentivado a traduzi-lo. Talvez eu faça, mesmo que nunca venha a ser publicado. Só pelo simples prazer de poder manter viva a memória desse autor abandonado, como Daniel fez com Julián Carax.

Bem, acho que no fim das contas falei mais do "The night cometh" que sobre "A Sombra do vento", mas afinal, não estou escrevendo orelha de livros, trata-se somente das minhas modestas impressões de leitura...

*Post Scriptum/05/01/2010 - Eu não estava procurando direito... fuçando mais uma vez no google, eis que encontro um trecho de uma resenha do livro no site http://www.jstor.org/pss/40114994 e também o livro à venda no e-bay;

23. The picture of Dorian Gray

It is not that I haven't liked the book. It is impossible not to recognize the idea is great. Who would not feel tempted to be forever young, not to suffer the effects of the passage of time, not to show in our faces the lines of our regrets?

But I think an idea so good deserved much more lines. Wilde goes straight to the point, whereas I wish the story was developed into something longer. I missed further details on why Mr Gray turns into a persona non grata among decent people, especially decent women. Had the book been written by an author like Alexandre Dumas or Chordelos de Laclos, for instance, we might have had a whole description of his cruel adventures.

I know, maybe I’m too Latina, but that’s the way I felt about it. I probably feel this way because I liked it so much that I could not accept it was so short. The end of the story is predictable, but one feels that it simply could not have ended in another way.

22. Vargas: uma biografia política

Eu ainda vou ler uma biografia decente do Vargas. Esta, embora de autoria do Hélio Silva, deixou muito a desejar. Não pelo trabalho do Hélio em si, que é um historiador de inegável valor, mas pela própria proposta editorial.

Trata-se de um pocket (pocket mesmo, do tipo que cabe no bolso traseiro da calça jeans com stretch) da L&PM de 184 páginas que é muito mais um conjunto de citações de Vargas vez por outra acompanhadas de breves comentários de Silva.

"Sessenta por cento do subsídio selecionado não coube neste trabalho, sacrificado por aqueles imperativos editoriais", diz o autor no prefácio. Está tudo dito. É legal para o leitor dar um pontapé inicial no estudo da vida de Getúlio Vargas... ou melhor, não digo que seja o pontapé completo, digamos que corresponda a soerguer o dedão do pé para cogitar a hipótese de dar um pontapé... e só.

Enfim, as editoras têm de ganhar dinheiro, senão o mercado de livros acaba.

21. Les souffrances du jeune Werther

J'avais lu une version en portugais cinq ans avant. En verité, je n'avais pas aimé la lecture à cette occasion et la même chose a lieu cette fois.

Je ne veux pas être rude, mais est que je ne peux pas comprendre porquoi ce livre a fait tant de bruit. Peut-être un jour je vais lire ce roman encore en allemand et qui sait je vais l'aimer alors?

[Ce texte a été revisé par mon ami et professeur Antony Devalle.]

20. The Prestes Column

The first thing I must say is that my opinion is highly suspicious over this theme. The fact is that I'm a great admirer of Luiz Carlos Prestes and despite myself I can help being biased towards him. I prefer being honest about this point so that you, reader, feel comfortable to search for more information over this issue elsewhere.

This is especially important because the Prestes Column is a polemic chapter in Brazilian history. Some argue it was pointless and caused a great damage along the cities it went through. The latter probably is true – all wars always have unwanted effects that usually make innocents suffer. Imagine 1500 men, most of them with no formal neither military education, hunted like animals within the primitive countryside of Brazil? Unfortunately, rapes, thefts and murders happened despite all the efforts of the column commanders to avoid it.

About the former, I am not so sure. According to the author of the book, Neill Macaulay – who (later on it was discovered) was a spy - the objective of the column was never the impossible military victory (what a bunch of barely armed men could do against the government forces?), but to work in a symbolic way, to function as an example of political resistance. In this regard, it worked and works until today, since it's one of the few social movements in Brazil that might be considered national (i.e., that involved the whole country, from North to South, in comparison with restricted, regional movements) and that so far is capable of touching people's heart.

Probably this resistance of the myth around the Prestes Column and it's main leader is the reason why so many people enjoy degrading their significance. Some of these try to attribute the crimes of the column's soldiers to its captain, but finds an obstacle in the conduct of Luiz Carlos Prestes along his 92 years of existence. Of course the man was not a saint, he was not the perfect hero Jorge Amado described in his books, but one cannot deny that he was an incorruptible and idealistic sort of man.

In Macaulay's book, it is said that Luiz Carlos Prestes once affirmed that “the man who seduced a virgin should be shot”. Considering he was a chaste man (he lost his virginity at 37 and had only two women along his whole life), who respected a lot the other sex, I guess he meant it. He was also an honest man who never used politics to gain personal favours (he died without having ever had a “cpf” - document equivalent to the social security number - neither a bank account). This is probably the main reason why so many people respect him despite his unsuccessful attempts to undertake a social revolution in Brazil.

19. L’étranger

J'avais lu une version en portugais de « L'étranger » trois ans avant, raison pour laquelle je ne pense pas que ce livre a été le premier que j'ai lu en cette belle langue latine (cette place appartient à « Le comte de Monte Cristo ») . Tous les mots que je vais ecrire ici sur l'oeuvre certainement sont le resultat des choses que j'avais connu dans la première lecture.

Je pense que L'étranger est un piège d'Albert Camus. L'écrivain nous fait voir le monde dans l'avis du protagonist, Mersault; l'histoire est conté de façon que on peut penser que son jugement n'a pas été fait de manière juste parce que il paraît être condamné moins pour l'assassinat qu'il a commit que pour le fait que il n'a pas pleuré dans l'enterrement de sa mère.

En verité, malgré-nous nous sommes conduit a penser moins sur l'arabe qui est tué de façon lâche que dans sa mère abandonée dans l’asile de vieillards, et qui meurt sans reçoit une seule larme de son fils. Ou encore pire: nous sommes conduits a penser sur le condamné à guillotine comme une victime du systeme, une espèce de Franz K. C'est comme se nous nous oublions qu'il a tué un homme froidement, sans raison aucune.

[Ce texte a été revisé par mon ami et professeur Antony Devalle.]

18. As Barbas do imperador Dom Pedro II: um monarca dos trópicos

O trabalho não é exatamente uma biografia; trata-se, na verdade, de uma análise dos usos da figura do imperador D. Pedro II desde a sua aclamação, aos 15 anos incompletos, até o retorno de seu corpo ao Brasil, durante o governo Vargas.

A leitura serviu para refrescar na memória alguns fatos da segunda metade do século XIX no Brasil; para ratificar a ideia, já entrincheirada no meu entendimento por conta de outras leituras, de que a proclamação da República no Brasil foi um movimento fajuto, sem legitimidade social ampla; e para confirmar que o conceito que eu trazia dos tempos de escola sobre a figura dos monarcas, particularmente dos monarcas absolutistas, era um tanto equivocada.

Como nos adverte Hobsbawm, quando fala da fase das transições pelas quais passava a Europa em fins do século XVIII e as tentativas de alguns monarcas de fazer reformas para não viver revoluções, o suposto poder ilimitado dos absolutistas era relativo e enfrentava sérios obstáculos à realização das referidas reformas:

"Yet in fact absolute monarchy, however modernist and innovatory, found it impossible - and indeed showed few signs of wanting – to break loose from the hierarchy of landed nobles to which, after all, it belonged, whose values it symbolized and incorporated, and on whose support it largely depended. Absolute monarchy, however theoretically free to do whatever it liked, in practice belonged to the world which the enlightenment had baptized fiodaliti or feudalism, a term later popularized by the French Revolution. (...) its horizons were those of its history, its function and its class. It hardly ever wanted, and was never able to achieve, the root-and-branch social and economic transformation which the progress of the economy required and the rising social groups called for.

To take an obvious example. Few rational thinkers, even among the advisers of princes, seriously doubted the need to abolish serfdom and the surviving bonds of feudal peasant dependence. Such a reform was recognized as one of the primary points of any 'enlightened' programme, and there was virtually no prince from Madrid to St Petersburg and from Naples to Stockholm who did not, at one time or another in the quarter-century preceding the French Revolution, subscribe to such a programme. Yet in fact the only peasant liberations which took place from above before 1789 were in small and untypical states like Denmark and Savoy, and on the personal estates of some other princes. (...) What did abolish agrarian feudal relations all over Western and Central Europe was the French Revolution, by direct action, reaction or example, and the revolution of 1848"*.

Esse quadro, em muitos aspectos, se assemelha ao que viveria o Brasil cem anos depois, no sentido de que D. Pedro II, uma vez isolado das forças políticas de então, foi facilmente derrubado do poder. A grande diferença é que o nosso “89” (Proclamação da República no Brasil 1889 x Revolução Francesa 1789) teria um caráter reacionário. A destituição e exílio do imperador brasileiro foi resultado muito mais de uma reação (retaliação talvez seja a palavra exata) da classe dominante agrário-exportadora por conta da abolição da escravatura em 1888, do que propriamente um movimento político impulsionado por classes emergentes.

Enfim, é uma leitura boa, eu recomendo aos interessados no tema. Não se intimidem com as 580 páginas, tem muita gravura [risos].

*Referência: The age of Revolution, p. 23-24

Post Scriptum:/08/01/2010. Lendo "A Alma Encantadora das Ruas", reunião de crônicas de João do Rio, achei um trecho que cairia como uma luva no livro para ilustrar a relação do povo com a aura da monarquia. Na crônica "Velhos cocheiros", o cocheiro Braga assim responde quando idagado pelo jornalista acerca de sua opinião sobre a Monarquia e a República:

"A Monarquia tinha as suas vantagens. Era mais bonito, era mais solene. Não vá talvez pensar que eu sou inimigo da República. Mas recorde por exemplo um dia de audiência pública do imperador. Que bonito! Até era um garbo levar os fregueses lá. Ó Braga, onde estiveste? Fui à Boa Vista! Hoje todo o mundo entra no palácio do Catete. Não tem importância... É verdade que o Obá entrava no Paço. Mas era príncipe. E então para conhecer homens importantes! Não precisava saber-lhes o nome. Os ministros tinham uma farda bonita, o imperador saía de papo de tucano. Bom tempo aquele! Hoje a gente tem de suar para conhecer um ministro. Parecem-se todos com os outros homens."

17. Formação econômica do Brasil

"Formação econômica do Brasil" é uma dessas leituras obrigatórias para o brasileiro pensante que quer entender o país.

É claro que, ao longo das cinco décadas que nos separam da publicação desse trabalho, muitas das teorias de Celso Furtado tornaram-se defasadas ou foram contestadas (processo previsível e salutar, até porque, ele trabalhou com dados hoje superados).

Mas Furtado tem o mérito de ter endereçado velhas questões de desenvolvimento da economia nacional com ideias arrojadas; pode ter errado em algumas análises e projeções, mas errou porque tentou, porque ousou pensar diferente; e da crítica às suas concepções supostamente equivocadas, muito conhecimento se produziu - até os seus enganos foram férteis para o entendimento do Brasil.

Demais, eu gostei do estilo como o trabalho foi escrito. Os primeiros capítulos dão a sensação de que estamos lendo uma narrativa e não um compêndio de economia. Furtado tem um quê na escrita que me lembra Hobsbawm, ambos são estudiosos que se debruçam sobre temas muitas vezes espinhosos mas escrevem com uma bossa e uma clareza capazes de atrair os não iniciados no assunto (como é o meu caso). Sabem alternar a informação bruta e o "causo" interessante.

Foi um tempo de leitura muito bem empregado, investimento pingue de retornos. Até meu modo de escrever sofreu influências furtadianas... passados cinquenta anos, muitas das expressões que ele utiliza tomaram um ar de "tempo do onça"; ou, no dizer dos moderninhos, um ar "vintage", que, no entanto, é do meu agrado.

16. Cadeia produtiva do carnaval carioca

sábado, 12 de dezembro de 2009

15. Complexo de Portnoy

Do mesmo autor de "O Animal Agonizante", o livro parece a conversa (na verdade, o monólogo) entre um homem atormentado (com o quê exatamente, eu não sei dizer...) e um possível analista.

Falando de si para um interlocutor que só se apresenta no fim do livro (muito parecido com o que Roth volta a fazer em "Animal Agonizante"...), sempre chamado de Doutor, o narrador parece atribuir todas as dificuldades de sua existência à rígida educação em família, de origem judia, com direito a mãe castradora e pai submisso.

Fiquei com a sensação de que o livro é meio datado, principalmente quando começam a ser reveladas algumas das infaustas peripécias sexuais de Portnoy... são coisas que trinta, quarenta anos atrás (quando o livro foi lançado) talvez tivessem chocado ou espicaçado os ânimos dos mais ingênuos. Mas hoje, quando já vimos de tudo na TV e na internet, não causa surpresa ou escândalo a ninguém.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

14. Marechal Deodoro, biografia

Não que eu tivesse algum interesse em particular na figura de Deodoro. Tampouco posso dizer que a leitura desta biografia, da mesma coleção daquela de José Bonifácio citada em outro tópico, tenha contribuído para despertar minha admiração por este veterano da Guerra do Paraguai. O fato é que estava naquela de reestudar a história do Brasil pelas biografias.

A impressão que ficou é que Deodoro, coitado, é uma figura meio apatetada da história... a leitura da biografia de José Bonifácio me deixou, involuntariamente, a impressão de que é uma grande tolice comemorar o sete de setembro; a de Deodoro fez o mesmo com o quinze de novembro.

Sei que soa como heresia para muitos, mas sinto que a República, no Brasil, pelo menos durante as quatro décadas seguintes à sua proclamação, não representou nem de longe uma transformação social. A mesma classe dominante que se valia da figura do imperador para fazer atender a seus interesses permaneceu no poder, agora fazendo uso da figura do presidente da República.

A sensação que fiquei é que o movimento de novembro de 1889 e consequente exílio de Dom Pedro II (de quem Deodoro era fiel servidor até então!!! ) foram muito mais uma retaliação à abolição da escravatura em maio de 1888 que qualquer outra coisa.

Se o Imperador D. Pedro II foi menos um estadista e mais uma figura decorativa e simbólica (o que ficaria ainda mais claro para mim após a leitura, ainda este ano, de "As barbas do imperador D. Pedro II, um monarca dos trópicos"), o mesmo pode ser dito de Deodoro. Se na capa do livro sua imagem em barbas brancas sugere respeito, o conteúdo parece indicar que foi uma figura carismática muito bem manobrada, um fantoche simpático, por assim dizer...

13. Bartleby, o escriturário

Do mesmo autor de Moby Dick, uma leitura graciosa que li durante o expediente, no horário de almoço, tão curtinho ele é. Nem sei se pode ser chamado de livro. Um pocket da L&PM.

Foi em 18/5 e sei que foi nessa data somente porque escrevi neste blog, no mesmo dia, a resenha abaixo, tão estimulante foi a leitura. Quem quiser conferir pode olhar o link. Segue o texto:

"O pequeno conto “Bartleby”, de Herman Melville, é uma daquelas leituras que se fixam no imaginário menos pelo que dizem que pelo que deixam de dizer. Cabe ao leitor preencher as lacunas a seu modo.

O livro é narrado em primeira pessoa. A voz que fala é a de um advogado em Wall Street, por volta dos sessenta anos, pouco preocupado com o poder, tampouco com a glória. Sua existência é assumida e deliberadamente distinta da que seria a de um poeta; para ele, “a vida mais fácil é também a melhor”; como advogado, não ambiciona grandes feitos, apenas uma renda razoável e regular; não sente qualquer mal estar com a ideia de ocupar vitaliciamente um cargo em que não pudesse executar efetivamente nada, desde que bem remunerado, como conselheiro do extinto Tribunal de Chancelaria.

As janelas de seu escritório, no segundo andar de um prédio qualquer em Wall Street, vislumbram, de um lado, uma vista que “podia ser considerada mais insípida do que qualquer outra coisa e carente daquilo que os paisagistas chamam de ‘vida’”; e de outro, “uma imensa parede de tijolos escurecidos pelo tempo e pela permanente ausência de sol”. Mas para esse homem aparentemente sem paixões ou interesses estéticos mais amplos, nada disso parece ter importância.

O conto avança como um estudo da mente desse advogado, que em momento algum nos diz seu nome, e que terá de lidar com uma situação totalmente além das fronteiras de sua experiência.

Os funcionários de seu escritório são um bêbado excêntrico, o sessentão Turkey; um jovem irascível, que sofre de indigestão crônica, Nippers; e um menino diligente, Ginger Nut. A vida seguia modorrenta e relativamente tranquila no escritório, a indolência vespertina de Turkey (graças ao vinho tomado no almoço) e o mau humor matinal de Nippers (provavelmente devido às dores de estômago) se contrabalançando.

Até a chegada pálida de Bartleby, o escriturário.

Como uma assombração, calado, discreto, eficiente, Bartleby a princípio parece inofensivo. Até sua primeira recusa a uma demanda de seu superior – sem indolência, sem um pingo de arrogância, e talvez por isso mesmo tão desconcertante:

“- Eu preferia não fazer”."

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

12. Minha formação


Paralelamente à leitura de "O Animal Agonizante", li "Minha formação", espécie de breve autobiografia de Joaquim Nabuco, outra figura grande da nossa história.

É o que eu sempre digo: há livros enormes que você lê de um fôlego só, porque são muito amarrados dentro de si e não exigem que você consulte informações por fora, nem mesmo num dicionário. E há aqueles pequerruchos que dão uma canseira danada, como foi o caso deste livrinho de enxutas 189 páginas em formato 11,5 x 18 cm (sabe aquela coleção de bolso da Martin Claret de péssimo mau gosto para capas que dá até vergonha de ler em público?) e tipos grandes, mas que me exigiu muito em pesquisa.

Nabuco era um jornalista que escrevia para os homens de seu tempo. Ele põe no texto (atira, praticamente) referências que para os viventes à época e profundos conhecedores de história do Brasil são bastante familiares, mas para quem não é uma coisa nem outra, como eu, fica difícil. "Sinimbu", assim, de chofre, derruba um incauto. Imagino que daqui a uns 30 anos (acho que estou sendo boazinha... daqui a uns dez anos), se alguém falar em ACM num texto os jovens também darão de ombros e se perguntarão "que diabos é ACM?".

Depois desta leitura, fiquei com muita vontade de ler a biografia que Nabuco escreveu sobre seu pai, "Um estadista do império", mas não acho vendendo em sebo algum.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

11. O Animal Agonizante

Ainda em abril, li o livro que ganhei em março de aniversário da minha enteada querida, o Animal Agonizante, de Philip Roth. Sabe quando uma leitura diz coisas que você preferia não ler porque lá no fundo você fica sacudido e questionando um pouco tudo aquilo em que você insiste em acreditar?

Faço as coisas desse modo porque isso me faz feliz ou porque eu acho que isso deveria me fazer feliz e por isso insisto que seja dessa maneira, porque é mais adequado, silencioso e asseado e dessa forma não incomoda ninguém?

No final foi bom porque cheguei à conclusão que faço as coisas dessa maneira porque me faz feliz.

Ou vai ver teimo em acreditar nisso...

O fato é que houve um lado (perverso ou talvez invejoso) em mim que ficou satisfeita em ver que, no final, o protagonista se dobra àquilo que julgava controlar e que nos controla a nós todos, no mais das vezes. Foi bom ver todo o sistema moral daquele cidadão virar escombro diante da força desmedida e indecorosa daquilo que não podemos domar.

10. José Bonifácio e a unidade nacional

Um livreto de cerca de cem páginas que li logo em seguida, da Biblioteca do Exército, chamado José Bonifácio e a unidade nacional, defendeu um ponto de vista que achei similar àquele expresso no livro de Nogueira: a tese de que muito melhor teria sido que Brasil e Portugal nunca houvessem se separado. Que o Brasil nunca foi colônia de Portugal no sentido atribuído hoje à palavra.

(Você que lê isso e fica aturdido, achando um absurdo, aconselho a ler este livro para entender do que estou falando.)

Já no prefácio, afirma-se que o Brasil nunca foi colônia de Portugal no sentido atribuído, por exemplo, às colônias inglesas pela sua metrópole.

Durante o governo de D. Manuel I (1469-1521), o Brasil era Província de Santa Cruz, incorporado à Monarquia Portuguesa, que no continente europeu era dividida em províncias. Para auxiliar os particulares que civilizavam a terra em suas capitanias hereditárias, surgia o Governo Geral (1549).

Durante o governo de D. João III (1502-1557), foi-nos concedido um conjunto de poderes políticos, sendo criado o Estado do Brasil.

Em 1609, o Conselho da Índia (Conselho Ultramarino) proclamava a igualdade do império português, determinando que todas as partes passavam a se constituir em “membros do mesmo reino, como o é o do Algarve e qualquer das províncias de Alentejo e Entre Douro e Minho, porque se governam com as mesmas leis e magistrados e gozam dos mesmos privilégios que os do mesmo Reino, e assim tão português é o que nasce e vive em Goa ou no Brasil ou em Angola como o que nasce e vive em Lisboa”.

Finalmente, sob o governo de D. João VI, o Brasil foi Reino e com a aclamação de seu filho Pedro, tornou-se Império.

Se Brasil e Portugal constituíram sempre uma única nação, quando ou por que seria empregado o termo colônia? De acordo com a autora, seria reflexo, em parte, da influência literária francesa no século XVIII. A denominação, que já era aplicada à Colônia de Sacramento, bastião militar português no Prata, se estenderia então a certas áreas agrícolas, visto que colonos eram sempre quaisquer indivíduos dedicados à plantação.

Colônia, no seu significado original, se referia a entrepostos agrícolas e comerciais, não conservando com o país de origem senão laços puramente sentimentais.

Assim, segundo o sentido moderno, o Brasil nunca teria sido colônia, embora por seu caráter agrícola tenha sido colonial até o período republicano.

*****

Outras anotações que fiz durante a leitura deste livro:

- Minhas ressalvas quanto ao livro: acho que, em termos de história, não se pode valorizar demais a atuação de um único personagem. Bolívar fez esforços talvez muito maiores na tentativa de preservar a unidade de Nova Granada, mas seus objetivos não iam ao encontro dos interesses dominantes, daí o insucesso;

- Até esta leitura, eu sequer desconfiava que Alexandre de Gusmão, que foi Ministro de D. João V e é considerado o avô da diplomacia brasileira, era mulato. Eu até coloquei uma observação a respeito no verbete relativo a ele na wikipédia (mais exatamente, a frase "Suas doutrinas políticas e econômicas tiveram a defesa do Marquês de Pombal, que dizia: "Sua majestade [D. João V] não distingue seus vassalos pela cor; distingue-os pela inteligência"."). O curioso é que antes fiquei pesquisando na rede uma fonte que corroborasse a informação e não encontrei.

Sinto que me deparei com aquele fenômeno já observado na história brasileira de "embranquecimento" de nossos heróis e intelectuais.

Foi também inevitável comparar os velhos tempos aos atuais. Enquanto hoje entende-se ser necessário que o Itamaraty ofereça bolsas de estudos para afrodescendentes para o concurso de ingresso na carreira diplomática, como "ação afirmativa", no século XVIII, com o comércio de escravos a pleno vapor, operando como atividade legalizada, o mulato Alexandre de Gusmão conseguiu exercer um papel decisivo na configuração do território nacional (Tradado de Madrid).

O que está por trás disso?

- Algo que casei com coisas estudadas no Formação Econômica do Brasil:

“A grande importância da pecuária no Brasil foi a conquista do sertão e a abertura de caminhos ligando esse interior às províncias isoladas do litoral, onde apareciam os criadores simplesmente para comerciar. Com seu comércio exclusivamente interno, de economia subsidiária, os criadores de gado levavam ainda vantagem de não contar com as restrições do monopólio. O espírito belicoso e independente do vaqueiro foi também marcante no Sul. Mantiveram-se os criadores afastados, de um modo geral, do plano político; em contrapartida, também pouco conseguia dele o poder centralizador do Brasil”.

De acordo com a autora, a penetração para o interior, a integração social e territorial eram ideias de José Bonifácio que ressurgiriam 150 anos depois nas metas prioritárias do Presidente Médici – integração territorial e social da Amazônia e o PRODOESTE

9. Crônicas de Dom João IV


Na febre da biografia, li logo em seguida Crônicas de Dom João IV, de João Paulo Nogueira. De certa forma, me lembrou o jeito sem papas na língua e nada oficial de Werneck Sodré. Senti fibra no autor. Pode ser que seja tendencioso na sua defesa de Dom João VI, mas pelo menos isto está dito com todas as letras, preto no branco, sem segundas intenções.

E o fato é que acabei me encantando pela figura deste estadista que, não tenho sido criado para executar esse papel, logrou, todavia, realizar projetos importantes para o Brasil e Portugal.

Entendi que não podemos julgar os monarcas de ontem com os olhos republicanos de hoje, como se fossem parvos que ocupavam um lugar de poder por acaso. Eram homens e mulheres formados desde o berço para exercer esse papel na maioria dos casos. Cá entre nós, muitos deles souberam fazer política de modo muito mais eficiente que certos representantes democraticamente eleitos da atualidade...

8. José Bonifácio - Biografia

Bom, logo depois de Oliver Twist e Clara dos Anjos, ainda sob o efeito Werneck Sodré, comecei a ler uma biografia do José Bonifácio que achei vendendo na banca quando levava minha filha mais velha para a escola. É de uma coleção bem caretinha, algo como “Biografia dos brasileiros ilustres” ou algo ainda mais jeca, o texto é repleto de chavões mas sabe como é, de vez em quando tem o seu valor a gente ler descompromissadamente uma coisa assim meio brega...

Confesso que adorei e me apaixonei ainda mais pela figura de José Bonifácio, uma das mais curiosas de nossa história. Demais, foi interessante analisar que figuras exaltadas em Werneck Sodré são esculhambadas sem dó neste texto, que inicialmente foi publicado em anos de ditadura militar – o que já nos vai dando uma ideia do teor nada revolucionário do conteúdo, bem diferente do livro História da Imprensa no Brasil.

Penso que contra fatos não há argumentos. Uma coisa que me chamou a atenção na história de José Bonifácio foi que Dom Pedro I, ao abdicar e retornar a Portugal em 1831, deixou a tutela do futuro imperador Dom Pedro II com o patriarca, apesar de já então haver rompido relações com ele politicamente. Prova incontestável, no meu entender, que a despeito das dissidências no campo político, Bonifácio era um homem de uma honradez tal que Dom Pedro lhe tinha muita confiança.

A propósito, em maio fiz um passeio à ilha de Paquetá em comemoração do aniversário da primogênita e tive a oportunidade de conhecer a casa onde Bonifácio ficou exilado após a partida de Dom Pedro I (resultado de uma ação de seus inimigos políticos para neutralizá-lo). Vale a pena o passeio! Muitos costumam se lembrar mais da ilha por conta do romance "A Moreninha", de Joaquim Manuel de Macedo, mas esse não é o único lado famoso de Paquetá.

7. Oliver Twist

And then came Oliver Twist that actually I read by the same time I was reading Clara dos Anjos. I even wrote a composition comparing the two works. I know the things I’m about to write here might be my condemnation–who am I to point my finger at the work of such a universally known author such as Charles Dickens?–, but the truth is that it has not been an interesting experience. I just read it through because I have this feeling of “once you take a task, do it till the end”, but honestly it was almost a waste of time (bar the fact that I had a chance of improving my English).

The personages are described as evils or angels. There are no middle terms, except for a girl (no surprise the most interesting character) who ends up killed... Besides, it seems to me that Dickens plays a game he’s not prepared to. His efforts towards using a picaresque language seems pathetic, nothing compared to the mastering of Dumas or Voltaire. No delicacy here. It has been the first Dickens I’ve read but I don’t feel like reading none of his books again. I may do if it comes into my hands and I have nothing else to do, but it’s not in my lists…

6. Clara dos Anjos e outras histórias

Foi o caso da leitura que fiz logo em seguida, o romance Clara dos Anjos e mais outras histórias de Lima Barreto, que desde a adolescência me esperava da estante. A narrativa do que foi a vida, e sobretudo, a morte de Lima Barreto no livro de Sodré me levou às lágrimas. Como esse homem sofreu. Como lhe faltou reconhecimento em vida. Como é importante que não nos esqueçamos do seu papel e da sua obra após a sua partida.

A capacidade de ver e de dizer a verdade de Lima Barreto é ainda hoje estarrecedora. O drama de Clara dos Anjos, mulata de família modesta e ingenuidade suburbana, foi captado com tal realidade por este nosso gênio... gostei muito da leitura, também pela riqueza de descrição das paisangens do Rio periférico, aquele Rio que nunca lemos em Machado de Assis...

Penso que nas escolas, em vez de apresentar logo de cara “Triste fim de Policarpo Quaresma” para os jovens (que é genial e talvez por isso mesmo muito forte para quem está começando a tomar gosto pela literatura), devêssemos introduzir este Clara dos Anjos, que fala de uma realidade mais próxima e menos simbólica, de mais fácil acesso aos iniciantes.

5. História da imprensa no Brasil

Eis que veio uma leitura que há muito eu desejava fazer e que julguei que me ajudaria a não ler tantos romances, me concentrando mais em obras técnicas-históricas ou coisa que o valha. Verdadeiro divisor de águas na minha compreensão do Brasil, do Mundo e do ser humano de modo geral foi a leitura de História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré. Sinceramente, me emociono só de lembrar.

Não há como não se encantar com as descrições nada imparciais, porém honestas, que Sodré faz dos que admira e dos que despreza. O modo como elogia um jornalista como João Soares Lisboa e detona outros personagens da nossa história que no seu entender “foram a Lisboa somente alisar os bancos de escola sem voltar mais sábios por conta disso”... A linguagem mais desabrida, sem esse ar chapa-branca que tudo o que lemos hoje parece ter (principalmente nossos jornais), a coragem de dizer certas coisas sobre a imprensa brasileira (e vemos aí que quando um jornal ataca o outro é sempre o roto falando do esfarrapado...) tornaram esse livro a minha bíblia. Não é à toa que é uma publicação de uma editora mais desconhecida, a Mauad. Duvido que as grandes tivessem coragem de editá-lo.

Foi a partir dessa leitura que tomei a ideia de estudar a história do meu país pelas biografias, caminho que me pareceu menos espinhoso que o de reler livros de história, embora deva reconhecer que o “História Concisa do Brasil”, de Boris Fausto, tenha me ajudado a acompanhar a leitura de Sodré, que é feita para quem tem a vivo na memória os fatos mais marcantes da nossa história – o que deveria ser uma obrigação moral e cívica de todo brasileiro que tenha alisado os tais bancos de escola, mas que infelizmente não é a realidade nem daqueles que têm curso superior completo e boas intenções, como eu...

O modo como Sodré descreve as verdadeiras revoluções que nós vivemos como nação mexeu comigo profundamente. Aqueles capítulos da história que até então eu não dava grande importância porque mais pareciam verbetes a serem decorados para fazer vestibular (“cite e explique duas rebeliões do período regencial...” blarg) se revestiram de um interesse tal que me vi adquirindo livros específicos sobre cada um deles para um estudo mais aprofundado. Sodré me fez ter paixão pela história deste povo que não corresponde ao mito do brasileiro pacífico e ordeiro. Foi aí que comecei a voltar a estudar a história do país, pelo viés das biografias, e voltar aos grandes autores brasileiros, todos ou quase todos jornalistas.

4. Crime e Castigo

A quarta leitura deste ano, Crime e Castigo, concluí de um fôlego só. Eu simplesmente não conseguia parar. A tradução de Paulo Bezerra merece todo meu reconhecimento. A leitura de “Os Irmãos Karamázov”, uns dois anos antes, em edição da Abril que nada mais era que uma tradução da tradução (russo – francês – e finalmente português), foi penosa. Não conseguia entender certas passagens. O livro perdeu um pouco da emoção para mim. Mas Crime e Castigo, na excelente versão dada pelo Bezerra, nossa senhora... impossível não se sentir fendido como Raskolnikov.

Fiquei pensando em quantas vezes se bebeu na fonte de Dostoievsky, de Wood Allen em Match Point àquele episódio de “Lost” em que o Michel mata não só o seu alvo mais alguém que surge por acaso no lugar e na hora errados... do mesmo modo, Festim Diabólico, do Hitchcok, é uma releitura de “Os irmãos”. Muito boa, por sinal.

3. As mulheres mais perversas da história

As mulheres mais perversas da história foi um livrinho dispensável... mais parece um inventário de atrocidades sem um argumento, uma síntese que ate uma história à outra. Os crimes que mais me chocaram, no fim das contas, foram aqueles cometidos por homens com a cumplicidade de suas companheiras.

Talvez haja algo na natureza da mulher que irmane as “de bem” (ou normais, categoria onde humildemente me enquadro) às assassinas, mas o fato é que os casos em que mulheres foram capazes de envenenar ou matar um recém nascido não me escandalizaram tanto quanto aqueles em que elas foram co-participantes em crimes de estupro, por exemplo.

Sinceramente, preferia não ter lido o livro, ficaram lembranças desagradáveis na minha cachola neurótica. Os únicos perfis que realmente me interessaram foram o de Valeria Messalina e Agripina. Para minha vergonha, conheço pouco da história do Império Romano, falha que pretendo corrigir antes de sair desta vida.

2. Criando bebês

Logo depois desses contos, li um livreto de cerca de duzentas páginas, chamado “Criando bebês”. Por motivos óbvios para quem me conhece... Legalzinho, recomendo a pais de primeira viagem que não tenham realizado um curso preparatório pré-parto. A informação mais valiosa que me trouxe foi a explicação sobre o choro do bebê até os três meses e o modo como minorar o problema. Em janeiro, quando li o livro, a Melinda tinha dois meses e ainda deu tempo de aproveitar a dica, que parece absurda, mas funciona...

Acho que leituras ajudam a maternidade, mas, sinceramente, há uma frase que eu digo e repito na maior solenidade que é para causar suspense entre os presentes: “Aquilo que melhor prepara você antes de ter um filho... é ter um filho”. É inegável que a minha caçula se beneficiou de tudo o que a primogênita me deu (acho que é um pouco por isso que toda mãe sente que deve alguma coisa ao primeiro filho...)

1. Voltaire - Contos

A primeira leitura começada e terminada em 2009 foi um livro de contos de Voltaire, que incluía todas aquelas histórias do sábio Zadig, o livro “Cândido” e outros em que o filósofo já não estava mais tão otimista assim...

Quanto tempo perdi sem ler Voltaire! Tenho até vergonha. Como alguém pode ter tanta maestria na pena? Tanta inteligência casada com tanto bom humor, aquele humor picaresco que eu tanto gosto, aquele dizer sutil, que se faz sentir no estilo, na sinuosidade das frases, na discreta ironia da palavra exata.

É bem verdade que a tradução por Mário Quintana deve ter colaborado para tornar ainda mais saborosa essa leitura, do mesmo modo como Machado de Assis imprimiu cores especiais a “Trabalhadores do Mar” (lembro que já na primeira página desse livro pensei: “estranho, parece que estou lendo Machado”, intuição confirmada com um passar de olhos na folha de rosto).

Alguns contos, particularmente "O Homem de quarenta escudos", são de uma mordacidade cativante. Neles se pode notar o olhar clínico do filósofo sobre a França de então. Fico me perguntando se há escritores brasileiros, hoje, capazes de lançar um olhar tão global sobre a realidade brasileira, falar de questões altamente técnicas com tanto tirocínio.

Leituras 2009

O ano não poderia ter sido mais proveitoso. Li muitos autores até então inéditos na minha lista, alguns, uma surpresa maravilhosa, outros, nem tanto.

Foi um ano em que até tentei fugir dos romances, meu fraco, e até certo momento acreditei que conseguiria, mas vi que na verdade estava fazendo uso de um paliativo – as biografias, mistura de fato histórico e narrativa.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

What the world will be like in two hundred years?

To guess what the world will be like in two hundred years, I think one should take a look at what the world was like in the past.

Pandemics

Tuberculosis was considered the mal-du-siècle in the 1800s. Variola (smallpox) devastated several empires and civilizations before eradication in 1980. Syphilis was a major killer in Europe during the Renaissance – an interesting account of its effects can be read in the tale "L'Homme aux quarante écus" by Voltaire.

None of these diseases concerns people that much nowadays. The virus that currently threatens us most is HIV (not to mention eventual viruses like H1A1, aka swine flu) that came on the scene by the end of 20th century. That makes me think that in a hundred years when our grand-grand-grand (…) children learn of HIV when reading their didactic books (Hum… will books still exist? Will people still manage to read?), the majority of them will have no idea what it was like fearing Aids.

The plagues of the future, what will they be like? My dear grand-grand-grand (…) children, I beg you to be careful about your health and listen to your mother and grandmother and maybe grand-grandmother advices! But I guess some things really never change, and you kids probably will never listen to us…


Social classes

Common wisdom has it (and History seems to confirm) that human beings will always be somehow divided. Be it by the color of the skin, the shape of the eyes, the family one was born into, the country one belongs to, the God one has faith in, the acquisitive power one has, the sexual orientation etc.

But basically the main division will always have to do with power - who has it and who does not. The old classes struggle between exploiters and exploited will always be.

Unfortunately, I do not believe we are running towards more democracy, even in the so called “modern” western world. I believe we are being led to more subtle forms of servitude (not to say slavery), that is all. There will always be people who spend their entire lives and health working hard and trying to survive whereas others will simply benefit from the work of the formers not doing so much themselves.

Technology

So far everything in this text must have sounded very pessimistic. Nonetheless, I believe there will be extreme advancements in terms of technologies for improving life.

(Of course it will only benefit the ones who can afford it. Somebody stop me, please!).

Maybe in two hundred years it will not be necessary to take a plane to visit other continents. Trains under water might connect Europe and America, for example, or Latin American and Asia through the Pacific Ocean. Does it sound unreasonable? I know, but come on, it is just a composition posted in a blog… let me wonder a little bit.

Geopolitics
In two hundred years the international geopolitics will probably be completely changed. Maybe the world will be more Orient-oriented, since China has been growing strong despite all the frowning faces at her from America and the European Western nations.

Hum… if my predications are right, I guess my grand-grand-grand (...) children will not be able to read this text, for they no longer will be interested in studying English – Mandarin will be the second language everybody will struggle to command (actually, when it comes to languages, I tend to believe that we will be talking very similar all around the world, sooner than we think).

quarta-feira, 22 de julho de 2009

We're a bunch of microbes

Deu no New York Times!

"The typical human is home to a vast array of microbes. If you were to count them, you’d find that microbial cells outnumber your own by a factor of 10. On a cell-by-cell basis, then, you are only 10 percent human. For the rest, you are microbial. (Why don’t you see this when you look in the mirror? Because most of the microbes are bacteria, and bacterial cells are generally much smaller than animal cells. They may make up 90 percent of the cells, but they’re not 90 percent of your bulk.) "

http://judson.blogs.nytimes.com/2009/07/21/microbes-r-us/

Amazing, no?

quinta-feira, 9 de julho de 2009

La Môme

Le film « Edith Piaf » raconte la vie de la célebrée chanteuse française dans l’avis de le cinéaste Olivier Dahan.

L’histoire n’est pas comptée comme une ligne, mais comme se nous étions devant de un kaléidoscope, où scènes de sa enfance, jeunesse, maturité et fin sont réunis et mêlées. Personne qui ne connaît pas la vie de Piaf (comme moi jusqu’à allors) peut être confuse, mais va aimer le film malgré cela.

Dotée d'une voix puissante, « la Môme » a été une femme d’apperance fragile, dont vie intense – marquée par l’alcool, les drogues, les tragédies, les amoureux et les scandales – chargerait un prix à sa santé : à ses dernier instants, à l’âge de 47 ans, elle semble avoir plus de 60 ans.

La scène que m’a plus emué a été celle où elle reçoit la nouvelle de la mort de Marcel Cerdan, le grand amour de sa vie, dans un accident d’avion (celui s’écrase aux Açores). J’ai perdu une ami récemment de la même manière et je n’ai pas pu éviter pleurer.

Après voir le film, J’ai lu un peu sur la vie d’Edith et J’ai découvert que Cerdan a prit l’avion au lieu du bateau parce que elle lui a demandé avec insistance (elle a voulu le voir bientôt). Je pense que elle probablement a senti très coupable par cela.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Quand Angèle fut seule

Le conte « Quand Angèle fut seule » raconte l’histoire d'Angèle, plus exactement au moment où elle est sortie du cimetière après l’enterrement de son mari, Baptiste.

Angèle a perdu l’homme que a vécu avec elle pendant vingt ans. Mais elle ne semble pas triste. Vraiment, elle semble très confortable : quand sa voisine Cécile lui demande se elle n'a besoin de rien, son pensée « de quoi aurait-elle pu avoir besoin ? » semble indiquer que elle ne manque de rien ni de personne, malgré sa récente solitude.

Au long de la lecture, on découvre qu'Angèle n’a pas été heureuse. Cécile un jour lui avait dit « qu’il semblait avoir aperçu Baptiste discutant avec Germaine Richard, près de la vigne ». Les mots de sa voisine semblaient suggérer qu'il y avait entre Baptiste et Germaine plus que de l'amitié.

Bien que le récit ne soit pas à la première personne, le discours semble traduire tout le temps les pensées d'Angèle. Des informations sont cachées au lecteur. Comme la mort de Baptiste a été énigmatique (le médecin ne comprenait pas sa maladie), on peut penser qu'Angèle a été la responsable de son mal – mais on ne pourra jamais le savoir, ni l'affirmer.

Dom Casmurro

Quand j’ai lu « Quand Angèle fut seule », ça a été inévitable de penser au roman « Dom Casmurro », écrit par l’auteur brésilien Machado de Assis. Narré à la première personne, le livre raconte la histoire de Bentinho et Capitu. Ils sont connus quand ils étaient enfants et sont mariés quand ils sont devenus. Mais ce que semble être une simple histoire d’amour change quand le meilleur ami de Bentinho, Escobar, meurt.

Bentinho observe Capitu devant le cadavre de son ami et pense que ses « yeux de gitane, obliques et dissimulés » expriment beaucoup de douleur, ou plus que de la douleur : ils expriment de la passion. À partir de ce moment, tout change. Pour Bentinho, son fils avec Capitu, Ezequiel, ressemble de plus en plus avec Escobar : c’est pour lui la preuve de la trahison de Capitu.

Il est sûr que Capitu a été la maîtresse d’ Escobar. Ils se séparent. Capitu embarque avec son fils pour l’Europe, où ils meurent sans revoir Bentinho, pendant qu'il reste seul chez lui. Le mystère « Capitu a trahi Bentinho ? » n’est révélé jamais.

À mon avis, les deux histoires ont en commun l’idée que le manque de vérité entre homme et femme, plus que la jalousie, peut être moralement – ou même littéralement ! – fatal.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Não consigo deixar de pensar na mãe da Drica. O que passará pela sua cabeça? Aquela vastidão azul. Onde estará minha filha? Uma agulha no palheiro. Aquela massa imensa de água contra ela. Entre ela e sua filhinha. Meu Deus em que eu não creio, como isso dói. Amém, amém, amém.

- Amém, amém, amém.

Consigo ouvir a Drica falando isso daquele jeito engraçado dela, como se fosse um personagem recém saído de um sitcom. Consigo imaginar o ritmo do gesto, da voz, a expressão, o olhar, o arquear de suas sobrancelhas daquele jeito tão divertido.

Ah, Adriana... não pode ser... não com a nossa Adriana.

Volta para dizer que foi mais uma das suas aventuras. Vem nos contar como é que foi. Vem, que eu acredito que você ainda está aqui, de alguma forma, que você vai marcar um almoço conosco na próxima semana para nos dizer o que aconteceu...

Lost. Completely lost.

Será tolice? Será teimosia minha? Mas é tão difícil aceitar. Eu ainda não aceito. Deem-me provas concretas dessa sandice que estão dizendo. Quero pensar no piloto que pousou sobre as águas do Hudson. Nos milagres que vez por outra se conta nos jornais.

Será que é mesmo verdade?

Se é verdade, eu não posso deixar de comparar tua partida – ai, que estranho escrever isso, que estranho – não posso deixar de comparar com o destino que teve outro jornalista, outro coleguinha nosso, o Silva Jardim.

Tragado pelo Vesúvio, até no fim teve de ser extraordinário.

Com você... será? Será o mesmo? Será mesmo?

Por que não se publica uma linha aqui no Império? Por quê? Até isso me revolta! Você me trouxe até aqui, lembra? Eu não esqueci não!

Ah, Drica... tão divertida... tão sincera... tão amiga. Ah, Drica, Drica, Drica...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Construindo uma imagem

Estou com vontade de fazer um estudo analisando as notícias veiculadas pela BBC de Londres a respeito do continente africano.

Sistematicamente, a gigante midiática veicula notícias como uma que escutei hoje pela manhã, sobre gangues que assassinam albinos em série em Burundi para vender partes dos cadáveres a grupos que realizam rituais de bruxaria na Tanzânia.

Exótico, grotesco, bizarro. Essa costuma ser a tônica da maior parte das notícias produzidas a respeito daquele continente, sempre dando a impressão de que a mama África é uma terra atrasada e ignóbil, completamente mergulhada na ignorância.

(O que serve como justificativa ideológica para as constantes intervenções de organismos internacionais supostamente bem intencionados na região).

Lembro-me de que uma vez, na creche da minha filha mais velha, solicitaram uma pesquisa sobre a cultura africana. Imagino o sem-número de pais que mandaram imagens de comunidades tribais, com indumentárias primitivas e coisas do gênero.

Eu fiz questão de mandar imagens da nova capital que será construída em Angola. Linda, com desenho do Oscar Niemeyer.

Por que África tem de ser sinônimo de miséria e atraso?

Será pelo mesmo motivo que o Oriente é sinônimo de mistério e ebulição?

Por que achamos que os europeus são mais cultos e educados que nós?

Que dizer dos hooligans, que em matéria de brutalidade nada diferem dos imbecis que a caminho do Maracanã destroem lixeiras, depredam o patrimônio, agridem e matam?

Em que um hoolingan é menos selvagem e assassino que um integrante dessas gangues do Burundi?

Só porque nasceu em solo europeu?

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Bartleby, o escriturário

O pequeno conto “Bartleby”, de Herman Melville, é uma daquelas leituras que se fixam no imaginário menos pelo que dizem que pelo que deixam de dizer. Cabe ao leitor preencher as lacunas a seu modo.

O livro é narrado em primeira pessoa. A voz que fala é a de um advogado em Wall Street, por volta dos sessenta anos, pouco preocupado com o poder, tampouco com a glória. Sua existência é assumida e deliberadamente distinta da que seria a de um poeta; para ele, “a vida mais fácil é também a melhor”; como advogado, não ambiciona grandes feitos, apenas uma renda razoável e regular; não sente qualquer mal estar com a ideia de ocupar vitaliciamente um cargo em que não pudesse executar efetivamente nada, desde que bem remunerado, como conselheiro do extinto Tribunal de Chancelaria.

As janelas de seu escritório, no segundo andar de um prédio qualquer em Wall Street, vislumbram, de um lado, uma vista que “podia ser considerada mais insípida do que qualquer outra coisa e carente daquilo que os paisagistas chamam de ‘vida’”; e de outro, “uma imensa parede de tijolos escurecidos pelo tempo e pela permanente ausência de sol”. Mas para esse homem aparentemente sem paixões ou interesses estéticos mais amplos, nada disso parece ter importância.

O conto avança como um estudo da mente desse advogado, que em momento algum nos diz seu nome, e que terá de lidar com uma situação totalmente além das fronteiras de sua experiência.

Os funcionários de seu escritório são um bêbado excêntrico, o sessentão Turkey; um jovem irascível, que sofre de indigestão crônica, Nippers; e um menino diligente, Ginger boy. A vida seguia modorrenta e relativamente tranquila no escritório, a indolência vespertina de Turkey (graças ao vinho tomado no almoço) e o mau humor matinal de Nippers (provavelmente devido às dores de estômago) se contrabalançando.

Até a chegada pálida de Bartleby, o escriturário.

Como uma assombração, calado, discreto, eficiente, Bartleby a princípio parece inofensivo. Até sua primeira recusa a uma demanda de seu superior – sem indolência, sem um pingo de arrogância, e talvez por isso mesmo tão desconcertante:

“- Eu preferia não fazer”.