terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Para não dizer que não falei de Aida

Hoje a homenagem vai para a minha outra avozinha, também muito amada, Aida Gonçalvez Maduro...

A coisa mais legal da minha avó era que ela era fofinha. Sabe essas avós gordinhas, fofinhas, que você adora beijar e abraçar? Era a minha! Lembro de uma vez em que meu tio Quim, seu filho do meio, falou, todo solene: “Só tem uma coisa no mundo que eu invejo de vocês”. Nós, sobrinhos, estupefatos, olhos escancarados sem entender nada. “O quê, tio?”. “Vocês têm uma avó para beijar e abraçar. Se eu tivesse minhas avós ainda, eu ia abraçar e beijar muito!”.

E era o que eu fazia. Gostava também de ouvir as intermináveis histórias que ela tinha para contar. Nem todos tinham a mesma paciência, porque às vezes as histórias se embolavam umas com as outras, tinham início, meio, mas quase nunca um fim – uma estrutura labiríntica que tornava difícil reter o fio da meada, mas acho que já naquela época eu tinha essa memória desgraçada que é a minha benção e a minha maldição. O importante era estar perto dela.

Lembro de certa vez quando ela contou que, na época da guerra, os homens comiam ratos e bebiam xixi de cavalo. “Cruzes, vó”. Lembro também de uma história em que alguém havia tentando agarrar uma moça à força numa espécie de atelier de costura e que a moça tinha cravado uma tesoura no tal sujeito. “Que isso, vó! E ele, morreu?”. “Não sei, naquela época, buscava-se socorro a cavalo...” dizia ela com toda a naturalidade, naquele sotaque lusitano que ela nunca perdeu, mesmo após décadas de Brasil.

Reza a lenda que ela havia sido bem brava quando era mais jovem. Em Portugal, trabalhava “como um homem” na roça, ao lado do pai. Nós, os netos, só conhecemos a velhinha fofa, de olhos cor de mel, cabelos longos, lisos e brancos, presos a maior parte do tempo. Ficava bonita nas raras vezes em que os usava soltos.

Uma das suas características mais peculiares era o fato de que sempre nos chamava por uma meia dúzia de vocativos diferentes, até acertar. Ou quase. Era mais ou menos assim: ela primeiro ia chamar “ó Joana, ó Francisca, ó Madalena, ó Maria Clara...” e pronto, fechava assim, daquele minuto em diante eu era Maria Clara para o resto do dia.

Eu bem que gostava.

Era muito católica. Quando as igrejas evangélicas começaram a se espalhar na Baixada Fluminense, duas delas calharam de dividir muro com o terreno onde ela morava. A solução era pagar um real a cada neto que cantasse em altos brados as músicas do padre Marcelo Rossi durante a realização dos cultos alheios.

(Se se resolvessem de forma tão lúdica e inofensiva todas as intolerâncias, nosso mundo estaria bem melhor e mais divertido...)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Carta de despedida de Kofi Annan em português

Aleppo está sob cerco e a perspectiva de perda de outras centenas de vidas de civis na Síria é muito alta. As Nações Unidas condenaram a derrocada para uma guerra civil, mas a luta segue adiante com nenhum sinal de alívio para os sírios. Elementos jihadistas foram atraídos para o conflito. Há também grande preocupação com a segurança das armas químicas e biológicas da Síria. A comunidade internacional está parecendo visivelmente impotente em suas tentativas de influenciar o curso brutal dos acontecimentos - mas este não é de forma alguma inevitável.

Enquanto o Conselho de Segurança está aprisionado num beco sem saída, na Síria ocorre o mesmo. O governo tentou suprimir, com extrema violência, um movimento popular e amplamente disseminado que, depois de 40 anos de ditadura, decidiu que não poderia mais ser intimidado. O resultado foi uma crescente perda de controle na região, e a oposição mobilizou-se para a sua própria campanha militar para contra-atacar. No entanto, ainda não está claro como o governo pode ser derrubado apenas pela força.

Entretanto, existe também um impasse político. Um movimento de massas, nascido da demanda por direitos civis e políticos, e o empoderamento das vozes por mudança emergiram na Síria após março de 2011. Mas, em que pese toda a extraordinária coragem exigida aos manifestantes para marchar cada dia diante da crescente violência do governo, este movimento não foi capaz de produzir pontes entre as divisões comunitárias na Síria. Oportunidades de superar essa situação foram perdidas na violência crescente.

Meios militares sozinhos não darão fim à crise. De forma semelhante, uma agenda política que não é nem inclusiva nem abrangente vai fracassar. A distribuição de forças e as divisões na sociedade síria são de um tipo tal que somente uma séria transição política negociada pode ter esperanças de dar fim à regra repressiva do passado e evitar um futuro decadente rumo a uma vingativa guerra sectária.

Diante de um desafio grande como esse, somente uma comunidade internacional unida pode compelir ambos os lados a se engajarem numa transição política pacífica. Mas um processo político é dificíl, senão impossível, quando todos os lados - dentro e fora da Síria - veem oportunidade de avançar suas estreitas agendas por meios militares. A divisão internacional significa suporte para agendas por procuração e o fomento da competição violenta na região.

É por isso que busquei consistentemente tentar ajudar a comunidade internacional a trabalhar unida para dar fim a essa dinâmica destrutiva e a focar as mentes das partes em conflito na região a se engajarem num processo político. No início do meu mandato ganhamos suporte internacional por isso, com resoluções do Conselho de Segurança, as quais autorizaram observadores militares das Nações Unidas a se posicionarem na Síria. Depois de um cessar-fogo em 12 de abril, contrariamente a algumas declarações, o bombardeio de comunidades civis pelo governo parou, demonstrando o impacto que essa unidade poderia ter.

Entrentanto, o apoio internacional prolongado não se seguiu. O cessar-fogo rapidamente se desfez e o governo, percebendo que não haveria consequências se retornasse a uma campanha militar explícita, reverteu ao uso de armas pesadas sobre as cidades. Em resposta, busquei reenergizar a direção para a unidade em junho, ao criar o Grupo de Ação internacional para a Síria, estabelececeno uma estrutura para uma transição que suportasse os esforços sírios para mover-se rumo a um corpo governamental de transição com plenos poderes executivos. A transição significa uma mudança gerenciada, mas completa, de governo - uma mudança de quem lidera a Síria e como lidera. Nós deixamos a reunião acreditando que uma resolução do Conselho de Segurança endossando a decisão do grupo estava garantida - como a primeira de uma série de medidas que iriam assinalar uma virada. Mas desde então, não houve continuidade. Em vez disso, houve ofensas e acusações no Conselho de Segurança.

Há claros interesses comuns entre as potências regionais e internacionais numa transição política gerenciada. A conflagração ameaça uma explosão na região que poderia afetar o resto do mundo. Mas é preciso liderença e compromisso para superar a atração destrutiva das rivalidadees nacionais. Ação conjunta requer esforços bilaterais e coletivos de todos os países com influência sobre os atores em cena na Síria, para pressionar os partidos a respeito de que uma solução política é essencial.

Para Rússia, China e Irã isso significa que eles devem realizar esforços concertados para persuadir a liderança síria a mudar de curso e abraçar a transição política, percebendo que o governo atual perdeu toda a legitimidade. Um primeiro movimento da parte do governo é vital, uma vez que sua intransigência e recusa a implementar o plano de paz de seis pontos foi o maior obstáculo para qualquer processo político pacífico, garantindo a desconfiança da oposição em propostas para uma transição negociada.

Para os Estados Unidos, Reino Unido, França, Turquia, Arábia Saudita e Qatar, isso significa pressionar a oposição para abraçar um processo político inclusivo pleno - o que incluirá comunidades e instituições atualmente associadas ao governo. Isso também significa que o futuro da Síria em mais que o destino de um único homem.

É nítido que o presidente Bashar al-Assad deve deixar o posto. O foco principal, entretanto, deve ser em medidas e estruturas para assegurar uma transição de longo termo pacífica para evitar um colapso caótico. Essa é a questão mais séria. A comunidade internacional deve arcar com sua parcela de responsabilidade.

Nada disso é possível, porém, sem compromisso genuíno de todos os lados. O empate significa que todos devem mudar de curso: o governo, a oposição, potências regionais e internacionais. Dessa forma, a comunidade internacional pode liberar uma condição essencial do processo político - uma comunidade internacional unida, que suporta ativa e efetivamente a transição pacífica para um governo legítimo.

A Síria ainda pode ser salva de uma calamidade pior. Mas isso exige coragem e liderança, principalmente dos membros permanentes do Conselho de Segurança, incluindo os presidentes Putin e Obama. Nosso comunidade internacional vai agir em defesa dos mais vulneráveis em nosso mundo, e fazer os sacrifícios necessários para ajudar? As próximas semanas na Síria vão dizer.

domingo, 1 de maio de 2011

Sobre a Líbia

Gente, para tudo que hoje eu quero relembrar de uma pessoa que perdi há mais de dez anos, quando eu ainda era adolescente, mas que vai ser sempre muito especial para mim: a minha avó Líbia.

Isso mesmo, o nome dela era Líbia, nome do país que exatamente neste momento está atravessando uma situação caótica – infelizmente, a cobiça dos “homens lá de cima” se abateu sobre o norte da África mais uma vez.
É muito engraçado mas outro dia, olhando bem para o meu sobrinho, filho da minha prima Fernanda, e para a Melinda, notei que tem uma certa semelhança no formato dos olhos, bem redondos, bem grandes, que me faz suspeitar uma origem comum: os olhos da minha avó.

Minha prima disse que já não conseguia lembrar de memória, e eu fiquei meio apavorada. Será que já estamos esquecendo de algumas coisas dela? Reza a lenda que ela dava uns beliscões de vez em quando com aquelas unhas compridas que ela tinha, mas isso eu não me lembro não.

Falando em unhas, vamos começar o rol de lembranças pelas mãos: eu adorava as mãos da minha avó – pasmem! – por causa do cheiro do cigarro que ficava nelas. Dá para acreditar? Eu, que detesto cigarro hoje em dia, até evito andar na mesma calçada de quem está com um cigarro aceso, simplesmente adorava aquele cheiro (lembro dela árdua e pacientemente desembaraçando meus cabelos com Bycream – será que é assim que se escreve? – e lembro claramente de sentir aquele cheiro nas mãos dela).
Já não lembro que marca ela fumava. Belmonte? Hollywood era o meu pai, o dela acho que era outro.

Lembro muito, muito mesmo, de uma plaquinha que ela tinha pendurada na cozinha que dizia: “Não faça da sua língua uma arma: a vítima pode ser você”. Meu Deus, em casa, na família, no trabalho, em quantas situações me lembro dessa frase, quantas vezes me calo sobre certos fatos porque consigo ter a lucidez de que certas coisas é melhor calar e não passar adiante...

Mas a lembrança que eu tive hoje e que me obrigou a sentar aqui e escrever foi um gesto simples que tive antes de sentar na frente do computador: nesses tempos de Aedes Aegypt, me lembrei de borrifar um raid protector da vida nos cantinhos do escritório antes de começar a escrever. Talvez porque o recipiente do inseticida fosse alaranjado, me lembrei na hora da BOMBA DE FLIT!!!



Neto de dona Líbia que se preze não pode se esquecer da bomba de flit. Todas as noites, nos fins de semana pelo menos (que era quando estávamos todos juntos na casa dela, em Sepetiba), quando dava por volta de umas 19h-20h, lá vinha ela com a bombinha de flit, flitando a casa toda para garantir que nós, alérgicos a mosquito, não saíssemos de lá todos empolados.

Mas tem tantas outras coisas que me lembro dela... do pavê (mal chegávamos na casa dela e já vinha: “vó, tem pavê?”), que é até hoje meu doce favorito, do bolo (cuja massa disputávamos com violência, choros e alguns empurrões), das torradas feitas de pão. Também tenho uma lembrança maravilhosa do seu macarrão, que ninguém faz igual (bem, o da minha tia Léia até que chega perto), e também do cheiro do café que ela preparava no coador de pano de manhã.

Ela era atenta ao que comíamos: se queixou muito uma certa época em que eu só queria saber de comer ovo. Adorava quando limpávamos o prato. “Vovó gosta assim, quando come tudinho”. Penso que a comida era o seu jeito de nos ser carinhosa.

Quando queríamos escrever, ela trazia sempre um papel de pão. Se queríamos água – ai, que remorso -, gritávamos lá da sala, “vóoooo... quero áaaaaagua”, de um jeito meio arrastado. Porque ela preferia assim: não gostava de criança na sua cozinha, se quiséssemos qualquer coisa, preferia que pedíssemos e que ela viesse trazer.

Tinha um corpo magro e ágil. Andava arrastando as chinelas, eu consigo me lembrar desse som muito bem. Era incansável: a primeira a levantar, a última a se deitar. Também era a última a se servir, e sempre colocava uma banana na comida – hábito que, se não me engano, o meu irmão incorporou também. Sempre dava boa noite aos apresentadores do Jornal Nacional.

Bem, fica aí o convite para que todos aqueles que conheceram a minha avó Líbia escrevam alguma coisa sobre ela!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

У Врача? Нет!

это моё второе сочинение по русское (первое так плохо, что я предпочитала не опубликовать).

(corrected by моя русская преподавательница Елеонора)


Я знаю, что я должна часто ходить к врачу, но я не люблю. Я только хожу к зубному врачу, например, потому что он звонит мне. Я должна идти туда, в его кабинет, раз в семестр, но я хожу только раз в год.

Действительно, я не люблю не враей, не больницы, не лекарства. Когда я болею гриппом, например, я ничего не делаю. Но я должна сказать, что я редко болею. Последный раз я серёзно заболела десять лет назад — у меня был лихорадка денге. Я лежала в больнице три дня.

К сожалению у меня было много друзей и родственников, каторые лежали в больнице. Моя любимая бабушка, например, умирала в больнице. Я забыла в которой больнице она умирала — может быть Больница Бенефисенсия Португеза. В городе где я живу, есть разнообразные больницы: Копа Дор, Больница Ларанжейрас, Больница Сау Лукас, и так далее.

Как я уже писала, я редко болею. Я совсем забыла, когда последний раз я была целый день в постели.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

English Practice

Theme: Today, the high sales of popular consumer goods reflect the power of advertising and not the real needs of the society in which they are sold.

To what extent do you agree or disagree?

(Taken from CAE).

Corrected by Lorikeet at Dave ESL Cafe Help Center.





I agree with the idea that the high sales of popular consumer goods reflect the power of advertising and not the real needs of the society in which they are sold.

A very simple but evident example is the rising level of obesity that has become a common denominator in most of the richest nations (which are the most exposed to advertisements).

Obesity - a disease of excess body fat, characterized by a body mass index equal or over 30 - can be caused by a range of reasons, but basically it is related to an imbalance between the amount of energy we absorb (through food intake) and the amount of energy we spend.

Why are people consuming much more energy than they really need? I strongly believe that one of the reasons is an excess of ads concerning products with high amounts of fat and/or sugar (though poor in terms of nutrients).

People consume a lot of products they should not, not because they need to, but because they were convinced they should do so. This is surely the case with soft drinks, for instance.

Another illustrative example: the number of people devoting much of their income to buying expensive cars. A lot of people insist on having a car even when half of their income is spent on it.

I have young friends who, despite living in neighborhoods close to subway stations or well served in terms of bus service, or close enough to their offices that they could walk or ride a bike to work, spend a large part of their wages paying off installment debts to buy a car.

I am convinced that many of them have not given a second thought to the fact that having a car involves lots of costs – taxes, insurance coverage, gasoline and soaring prices for parking – and if they had rationally analyzed the cost benefit ratio of it, the idea of having a car would no longer seem attractive.

Why do they behave like this? I think most of them probably have been seduced by car advertisements – since they were kids, ads have conveyed the idea that they would be no one if they could not buy the latest car model.

These examples show the strong influence that advertisements can have over the consumer habits of societies, proving it true that advertising – rather than real needs – is the the main factor behind the high sales of some consumer goods.

domingo, 22 de agosto de 2010

Toni e eu

Lá estava eu, à 1h da manhã, arrastando a leitura de “Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, que faz parte da bibliografia do mestrado que pretendo realizar.

Sim, arrastando, porque eu confesso que a linguagem fragmentária, por vezes deliberadamente enigmática, linguagem-código de Debord – que assume isso algumas páginas depois – foi me dando um sono danado.

Eis que chego a uma parte do livro que na verdade é o prefácio escrito pelo filósofo para a edição italiana, e a linguagem desabrida, sem papas na língua, me despertou.

Leio pela primeira vez sobre o sequestro e morte de Aldo Moro.

Aldo Moro, Aldo Moro, Aldo Moro, nunca ouvi falar.

No dia seguinte – hoje – decidi pesquisar quem foi Aldo Moro na internet.

Primeiro, me chamou a atenção que tenha sido assassinado em 9/5, data de nascimento da minha filha mais velha. Depois, nova surpresinha: foi sequestrado na mesma data do meu aniversário, exatos quatro anos antes de eu nascer.

Sabe essas coincidências bobas mas que te chamam a atenção? “Que coisa!”.

E aí veio a informação que realmente me tirou o fôlego.

Um dos acusados de tramar o sequestro e assassinato de Aldo Moro simplesmente foi... Antônio Negri.

Isso mesmo, Negri, autor de “O Império”.

O “Toni”, o simpático senhor que conheci em 2005 quando, em visita ao Brasil, ele ia realizar uma palestra no Gustavo Capanema, centro do Rio de Janeiro.

Eu estava na faculdade, colaborando para o projeto do site TJ.UFRJ. Júlia Salgado de câmera na mão, eu de microfone em punho, e perguntando ao Negri qual o papel do intelectual hoje...

...minha primeira entrevista internacional... e Io no parlo italiano... e ele não parlava inglês...

E eu que olhei aquele senhor de pele curtida e cabelos brancos e jamais imaginei que passara os últimos anos preso, e que tivera uma vida para lá de movimentada, uma vida que eu não vejo na maior parte dos ditos intelectuais brasileiros.

Nossos intelectuais de muita saliva e pouco suor, de cujo habitus sou meu tanto herdeira, para minha infelicidade e frustração...

Que coisa!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um encontro

As linhas seguintes fogem à proposta deste blog de ser uma análise de leituras. Trata-se de crônica de um encontro que se passou no 21 de janeiro de 2010. Como os blogs fazem as vezes de diários virtuais, creio que não há nada demais em querer deixar registrado esse dia tão prosaico e ao mesmo tempo tão especial, quando, à uma mesa do restaurante do Jockey Club, à hora do almoço, sentaram-se duas pessoas que eu tencionava reunir já há algum tempo.

De um lado, Feliks Zalcman, analista de sistemas da Petrobras que há mais de quatro décadas se dedica à informática na petrolífera brasileira, protagonizando alguns de seus momentos decisivos. Nascido no ano de 1941 em Iecaterimburgo, cidade russa que no passado soviético chamou-se Sverdlovsk, migrou com a família para o Brasil no ano de 1960, fugindo à perseguição política – seu pai, que chegou a ser uma liderança no Partido Comunista, tornara-se um dia um dissidente.

Conheci Feliks por conta de atividades profissionais; trabalhando na área de comunicação da unidade de Tecnologia da Informação e Telecomunicações, fiz dele um perfil para divulgação num veículo de mídia interno em novembro de 2009. Foram quatro dias de entrevistas, ao longo dos quais me tornei uma fã de seu trabalho e personalidade.

Do outro lado da mesa, Luiz Carlos Ribeiro Prestes, que atua na área de desenvolvimento econômico do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Carioca, nascido em 1959 no bairro de Jacarepaguá, migrou com a família para a União Soviética no ano de 1970 devido à perseguição política – seu pai, Luiz Carlos Prestes, liderança no Partido Comunista Brasileiro, tornara-se um clandestino desde o golpe de 1964.

Conheci Luiz Carlos por conta de atividades profissionais; trabalhando no Centro de Referência em Inteligência Empresarial da Coppe/UFRJ, fui designada para entrevistá-lo quando do lançamento do livro “Cadeia Produtiva da Economia da Música”, em dezembro de 2004. Foi uma tarde inteira de entrevista e, insuspeitadamente àquela época, alguns anos mais tarde viria a me tornar sua mulher e mãe orgulhosa de sua filha caçula, Melinda Prestes.

Os ásperos das divergências ideológicas ficam de lado. Em seu lugar, despontam as memórias identitárias, o sem número de referências culturais comuns - poéticas, musicais, midiáticas, políticas. Alguns nomes raramente conhecidos do lado de cá do globo. O repertório de piadas, em especial, produz (hilária) identidade...

Lamento não ter registrado em imagem aquela tarde clara, a luz imensa de janeiro do Rio vencendo o voal das cortinas. Mas talvez tenha sido melhor assim; talvez não fosse tão belo ou tão relevante para o resto do mundo virtual o semblante tranquilo daqueles dois presentes. A intimidade dos significados dentro de uma alma, no fim das contas, nunca pode ser de fato devassada.