domingo, 1 de maio de 2011

Sobre a Líbia

Gente, para tudo que hoje eu quero relembrar de uma pessoa que perdi há mais de dez anos, quando eu ainda era adolescente, mas que vai ser sempre muito especial para mim: a minha avó Líbia.

Isso mesmo, o nome dela era Líbia, nome do país que exatamente neste momento está atravessando uma situação caótica – infelizmente, a cobiça dos “homens lá de cima” se abateu sobre o norte da África mais uma vez.
É muito engraçado mas outro dia, olhando bem para o meu sobrinho, filho da minha prima Fernanda, e para a Melinda, notei que tem uma certa semelhança no formato dos olhos, bem redondos, bem grandes, que me faz suspeitar uma origem comum: os olhos da minha avó.

Minha prima disse que já não conseguia lembrar de memória, e eu fiquei meio apavorada. Será que já estamos esquecendo de algumas coisas dela? Reza a lenda que ela dava uns beliscões de vez em quando com aquelas unhas compridas que ela tinha, mas isso eu não me lembro não.

Falando em unhas, vamos começar o rol de lembranças pelas mãos: eu adorava as mãos da minha avó – pasmem! – por causa do cheiro do cigarro que ficava nelas. Dá para acreditar? Eu, que detesto cigarro hoje em dia, até evito andar na mesma calçada de quem está com um cigarro aceso, simplesmente adorava aquele cheiro (lembro dela árdua e pacientemente desembaraçando meus cabelos com Bycream – será que é assim que se escreve? – e lembro claramente de sentir aquele cheiro nas mãos dela).
Já não lembro que marca ela fumava. Belmonte? Hollywood era o meu pai, o dela acho que era outro.

Lembro muito, muito mesmo, de uma plaquinha que ela tinha pendurada na cozinha que dizia: “Não faça da sua língua uma arma: a vítima pode ser você”. Meu Deus, em casa, na família, no trabalho, em quantas situações me lembro dessa frase, quantas vezes me calo sobre certos fatos porque consigo ter a lucidez de que certas coisas é melhor calar e não passar adiante...

Mas a lembrança que eu tive hoje e que me obrigou a sentar aqui e escrever foi um gesto simples que tive antes de sentar na frente do computador: nesses tempos de Aedes Aegypt, me lembrei de borrifar um raid protector da vida nos cantinhos do escritório antes de começar a escrever. Talvez porque o recipiente do inseticida fosse alaranjado, me lembrei na hora da BOMBA DE FLIT!!!



Neto de dona Líbia que se preze não pode se esquecer da bomba de flit. Todas as noites, nos fins de semana pelo menos (que era quando estávamos todos juntos na casa dela, em Sepetiba), quando dava por volta de umas 19h-20h, lá vinha ela com a bombinha de flit, flitando a casa toda para garantir que nós, alérgicos a mosquito, não saíssemos de lá todos empolados.

Mas tem tantas outras coisas que me lembro dela... do pavê (mal chegávamos na casa dela e já vinha: “vó, tem pavê?”), que é até hoje meu doce favorito, do bolo (cuja massa disputávamos com violência, choros e alguns empurrões), das torradas feitas de pão. Também tenho uma lembrança maravilhosa do seu macarrão, que ninguém faz igual (bem, o da minha tia Léia até que chega perto), e também do cheiro do café que ela preparava no coador de pano de manhã.

Ela era atenta ao que comíamos: se queixou muito uma certa época em que eu só queria saber de comer ovo. Adorava quando limpávamos o prato. “Vovó gosta assim, quando come tudinho”. Penso que a comida era o seu jeito de nos ser carinhosa.

Quando queríamos escrever, ela trazia sempre um papel de pão. Se queríamos água – ai, que remorso -, gritávamos lá da sala, “vóoooo... quero áaaaaagua”, de um jeito meio arrastado. Porque ela preferia assim: não gostava de criança na sua cozinha, se quiséssemos qualquer coisa, preferia que pedíssemos e que ela viesse trazer.

Tinha um corpo magro e ágil. Andava arrastando as chinelas, eu consigo me lembrar desse som muito bem. Era incansável: a primeira a levantar, a última a se deitar. Também era a última a se servir, e sempre colocava uma banana na comida – hábito que, se não me engano, o meu irmão incorporou também. Sempre dava boa noite aos apresentadores do Jornal Nacional.

Bem, fica aí o convite para que todos aqueles que conheceram a minha avó Líbia escrevam alguma coisa sobre ela!

5 comentários:

  1. Clarissa, sua avó é um mito. Era realmente,tudo isso q vc descreveu, até hoje sinto falta dela. Mas...a vida é assim.O único bisneto dela, assim como a mãe, também gosta de banana na comida. Aliás ela só teve um neto e um bisneto, do jeito que gostava (pena que não conheceu o bisneto, ela teria adorado).

    ResponderExcluir
  2. Para mim é um espanto você lembrar do pavê somente nos últimos parágrafos, você realmente chegava doida pelo doce. Aliás, todos nós entrávamos na casa da vovó gritando e olhando direto a geladeira para saber quais maravilhas ela tinha nos preparado. E eram muitas, gelatinas, pavês, bolos, rapadura, casadinho de biscoito maisena com manteiga (meu favorito!)...acho que por isso eu sou assim meio cheinha.

    Minha contribuição, no entanto, é quanto as brincadeiras no quintal. Vira e mexe ela aparecida na varanda dos fundos e gritava: "criança (era assim, evocava a todos nós sem plural nem nada)!!!! Cadê minhas vassoura???" kkkk que vassouras que nada, para nós eram verdadeiros cavalos correndo pelo quintal...

    Ah, nas unhas vermelhas afiadas como as de gavião, acredite; estavam tão presentes naquela época como são vivas nas minhas mais doces memórias !

    2 de maio de 2011 18:00

    ResponderExcluir
  3. Nao senta no chao crianca!!! E la vinha ela com a esteira de palha na mao... Acabou de tomar banho quente, nao vai pegar friagem, entra!!!
    As torradas eram as minhas prediletas, mas claro que nao deixava de abrir a geladeira p/ conferir o conteudo...afffssss... Adorava meu banquinho da cozinha. Amava minha avo. s2

    ResponderExcluir
  4. Caraca, eu já tinha esquecido as esteiras...

    Fernanda, adorei a lembrança do "criança"... era isso mesmo! A gente era um amálgama só.

    ResponderExcluir
  5. Apesar de termos compartilhado pouco dessa rotina, me lembro do orgulho que ela tinha ao apresentar suas "crianças" da Bahia.
    Aquele cheirinho de alho que vinha da sua cozinha me aguçava a boca, saciada com seu manjar de feijão preto: a tradição da banana entre os pequenos começou comigo...
    e os cuidados com as madeixas? Me iniciou no uso do Elseve, presentinhos de perfumaria que toda menina baiana gosta...
    Ela esta presente em pequenos detalhes da nossa vida, um grande presente nos dado pelas mãos do seu amor...

    ResponderExcluir