segunda-feira, 18 de maio de 2009

Bartleby, o escriturário

O pequeno conto “Bartleby”, de Herman Melville, é uma daquelas leituras que se fixam no imaginário menos pelo que dizem que pelo que deixam de dizer. Cabe ao leitor preencher as lacunas a seu modo.

O livro é narrado em primeira pessoa. A voz que fala é a de um advogado em Wall Street, por volta dos sessenta anos, pouco preocupado com o poder, tampouco com a glória. Sua existência é assumida e deliberadamente distinta da que seria a de um poeta; para ele, “a vida mais fácil é também a melhor”; como advogado, não ambiciona grandes feitos, apenas uma renda razoável e regular; não sente qualquer mal estar com a ideia de ocupar vitaliciamente um cargo em que não pudesse executar efetivamente nada, desde que bem remunerado, como conselheiro do extinto Tribunal de Chancelaria.

As janelas de seu escritório, no segundo andar de um prédio qualquer em Wall Street, vislumbram, de um lado, uma vista que “podia ser considerada mais insípida do que qualquer outra coisa e carente daquilo que os paisagistas chamam de ‘vida’”; e de outro, “uma imensa parede de tijolos escurecidos pelo tempo e pela permanente ausência de sol”. Mas para esse homem aparentemente sem paixões ou interesses estéticos mais amplos, nada disso parece ter importância.

O conto avança como um estudo da mente desse advogado, que em momento algum nos diz seu nome, e que terá de lidar com uma situação totalmente além das fronteiras de sua experiência.

Os funcionários de seu escritório são um bêbado excêntrico, o sessentão Turkey; um jovem irascível, que sofre de indigestão crônica, Nippers; e um menino diligente, Ginger boy. A vida seguia modorrenta e relativamente tranquila no escritório, a indolência vespertina de Turkey (graças ao vinho tomado no almoço) e o mau humor matinal de Nippers (provavelmente devido às dores de estômago) se contrabalançando.

Até a chegada pálida de Bartleby, o escriturário.

Como uma assombração, calado, discreto, eficiente, Bartleby a princípio parece inofensivo. Até sua primeira recusa a uma demanda de seu superior – sem indolência, sem um pingo de arrogância, e talvez por isso mesmo tão desconcertante:

“- Eu preferia não fazer”.

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